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Apontamentos da Nossa História | 'O Juramento da Constituição de 1822 no Concelho de Aguiar de Sousa', por Vasco Santos
O ano de 2022 propicia a celebração de mais uma data redonda relacionada com a implementação do Liberalismo em Portugal: o bicentenário da Constituição de 1822.
A constituição 23 de setembro de 1822 é o primeiro texto constitucional português, que foi elaborado e votado pelas Cortes Extraordinárias e Constituintes de 1821 após o triunfo da revolta liberal de 24 de Agosto de 1820. Estava instalado o liberalismo em solo português pondo-se fim à congregação de todos os poderes na figura de um soberano absoluto, sendo agora estes divididos por diferentes instâncias. A figura do monarca não seria abandonada, no entanto, a partir deste momento, “o rei reina, mas não governa”.
O texto em si é em muito inspirado na Constituição Espanhola de Cádis (1812). Numa análise histórica importa sempre compreenderem-se os contextos e enquadrar os acontecimentos numa escala macro. A instalação do Liberalismo em Portugal será um processo conturbado, com bastantes nuances e pautada pela instabilidade política até à sua consolidação, que, a generalidade da produção historiográfica, aponta para a época da Regeneração. Se olharmos numa escala mais abrangente, quer a nível ibérico, quer atendendo ao contexto europeu, Portugal não é caso excecional, e, particularmente com o caso espanhol, pode ser encontrado um certo paralelismo, como Joel Serrão evidenciou, nas diferentes correntes liberais que se vão sucedendo nos dois reinos.
A constituição é composta por 240 artigos dividindo-se estes por 6 títulos. Salienta-se o primeiro título “Direitos e deveres individuais dos portugueses” onde direitos como a igualdade perante a lei, liberdade de expressão ou o direito à propriedade são garantidos a todos os portugueses.
A constituição de 1822 teve um curto tempo de vigência dividido entre dois períodos: de 23 de setembro de 1822 até 2 de junho de 1823, quando se dá a Vila-Francada, e de 10 de setembro 1836 a 4 de abril de 1838, relacionada com o período de governo setembrista até a promulgação da constituição de 1838. Importa-nos sobretudo esta sua segunda vida para nos trazer à realidade do extinto concelho de Aguiar de Sousa, antecessor do atual concelho de Paredes.
A 28 de Setembro de 1836 reuniam no paço do concelho de Aguiar de Sousa todos os vereadores, subalternos e funcionários daquela municipalidade, em sessão encabeçada pelo Presidente Francisco Coelho Leal, para jurarem a Constituição de 1822. Ficou-nos como testemunho a ata da Câmara lavrada pelo secretário Bernardino Costa Ribeiro, cujo exemplar se encontra em depósito no Arquivo Municipal de Paredes. Tal juramento enquadra-se no novo contexto político em vigência: o Setembrismo.
O Portugal de 1836 era regido pela Carta Constitucional de D. Pedro IV datada de 1826. Viviam-se tempos de instabilidade com uma crescente crise social e económica. A nível político a situação não era diferente, existindo constantes confrontos entre os representantes dos poderes executivo e legislativo. Subsistia também um desentendimento latente entre os representantes das duas câmaras instituídas pela Carta, a dos Pares e a dos Deputados. Os problemas de maior dimensão não tinham solução à vista nem se perspetivavam determinações para lhes por cobro, pois as discussões viciosas muitas das vezes centravam-se em rivalidades entre as figuras parlamentares e não nos problemas conjeturais. Face à situação vivida D. Maria II convoca Cortes Extraordinárias, dissolve o Parlamento e agenda eleições para agosto desse ano.
Saíram vitoriosos das eleições os membros afetos ao anterior Governo. No entanto, pelo Porto, Viseu e Algarve são eleitos deputados vintistas. Entre as várias reivindicações destes opositores políticos estava o retorno à Constituição de 1822, indicando as restrições impostas Carta como um dos fatores geradores da crise que permanecia. Destes deputados eleitos salienta-se a dos dois irmãos Passos: José da Silva Passos e Manuel da Silva Passos, também conhecido por Passos Manuel.
Quando a 9 de setembro de 1836 ambos chegam a Lisboa para tomar lugar no areópago liberal desencadeia-se uma revolta em Lisboa que impõe o regime Setembrista. Encabeçou o Governo Setembrista Passos Manuel tendo reposto a Constituição de 1822 até uma nova ser elaborada. É enviada uma circular onde se exigia uma certidão comprovativa em como todas as autoridades subordinadas ao poder régio tinham jurado a Constituição de 1822. É neste contexto que certamente se insere o juramento feito no concelho de Aguiar de Sousa.
Passos Manuel é um nome importante e que se relaciona intimamente com surgimento do concelho de Paredes. É esta personalidade que procede à reorganização administrativa da malha concelhia com o decreto de 6 de novembro de 1836, que cria, entre outros, o concelho de Paredes, extinguindo os concelhos de Aguiar de Sousa, Baltar, Louredo e Sobrosa.
Setembro de 2022;
Vasco Santos