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Apontamentos da Nossa História | A Vila de Paredes há 100 anos: As Casas dos Magistrados

Apontamentos da Nossa História | A Vila de Paredes há 100 anos: As Casas dos Magistrados
19 Setembro 2024

Olhar em retrospetiva geralmente aguça o saudosismo e atrai sobre nós um melancolismo característico de quem recorda. Certamente que o cenário com que nos depararíamos a cruzar as ruas da antiga Vila de Paredes seria bastante distinto do que agora podemos observar. No entanto, e sendo o que nos propomos, queremos traçar uma imagem o mais aproximada possível através da caracterização histórica do que foi a Vila de Paredes durante a década de 20 do século passado.

A década de 20 tem particularidades que a caracterizam. O pós Grande Guerra deixou marcas em Portugal, sobretudo na ainda jovem República que se via constantemente ameaçada por golpes militares e numa instabilidade governativa latente, sucedendo-se vários governos num curto espaço de tempo. Por outro lado, esta década foi também apelidada de “loucos anos vinte”. Este conceito remete para um período de fomento cultural e artístico associado à recuperação económica depois de sanado o conflito. Na Vila de Paredes podemos dizer que também tivemos uns “loucos anos vinte”, atendendo a que foi um período em que a edilidade promoveu bastantes obras e melhoramentos com vista ao progresso. Se a palavra progresso é sempre suscetível de ser julgada em função do conceito que cada um lhe atribui, pelo menos dizer que a Vila de Paredes assistiu a uma grande transformação nesta época é dado inequívoco.

As atas da Comissão Administrativa do Concelho de Paredes apresentam-nos uma Vila em mutação. Durante esta década assistiu-se a grandes modificações, tais como: o alinhamento da Avenida da República; a eletrificação da luz pública; a canalização e distribuição de águas públicas; a criação e urbanização do espaço e arruamentos complementares no Monte Ramil destinados ao novo mercado e para onde foram movidas as feiras; abertura de vários arruamentos e arranjo de outros; projeção da nova cadeia da comarca e de um novo edifício para funcionamento da Câmara. O elenco apresentado é elucidativo do projeto preconizado para o avanço da Vila.

Foi também durante esta época que foram construídas as Casas dos Magistrados. Atualmente demolidas, referimo-nos a duas casas que existiam em frente ao Palacete da Granja (Casa da Cultura), local onde hoje se encontram prédios de habitação urbana. Apesar de não termos aos dias de hoje o património edificado, com certeza que na memória de muitos paredenses, alicerçada por fotos que subsistiram, persistirá a imagem das duas casas no início da Avenida da República onde habitavam os senhores juízes e procuradores. Torna-se então necessário estudar e preservar a memória destes pequenos fragmentos que, quando unos, ajudam a ter uma perspetiva mais ampla e concreta sobre a história local.

A construção das Casas dos Magistrados foi precipitada pelo Decreto nº 11871, de 12 de julho de 1926, promulgado pelo Ministério da Justiça e dos Cultos. Com o intuito de reformular a justiça foram apontadas várias condicionantes que conduziam ao seu mau funcionamento. A falta de funcionários e sua má índole e desmoralização associada a uma assimetria existente entre os grandes aglomerados, que saíam beneficiados, e as zonas mais remotas eram entraves a uma boa fluidez da justiça. Interessa-nos, para o caso em estudo, outra passagem do decreto onde se realça outro dos motivos: “Ao lado das deficiências intrínsecas de que até hoje tem sofrido o organismo judicial, um outro motivo tem contribuído para o seu defeituoso funcionamento: a falta de casos para residência de magistrados, que, por lei e pela natureza especial das sus funções são obrigados a residir na sua comarca”.

Era necessário solucionar a questão das habitações e o decreto nos seus artigos 49º a 54º estabelece as condições. Ainda que se refira que não se pretende sobrecarregar os municípios, estes, à exceção de Lisboa, Porto e Coimbra, foram obrigados a construir ou arrendar casa para albergar os magistrados judiciais, nomeadamente o Juiz de Direito e o Delegado Procurador da República. As casas deveriam ser simples e libertas de sinais de ostentação estando os ocupantes sujeitos ao pagamento de uma renda a ser estabelecida por acordo entre o respetivo Ministério e os representantes concelhios. Atendendo ao artigo 53º as casas deveriam estar concluídas até ao último dia do ano de 1927 sob pena das comarcas serem extintas e anexadas, por conveniências de serviço, às comarcas mais próximas ou verem a sua sede transferida para qualquer concelho próximo que cumprisse o preceituado. Este ponto é de extrema importância porque transformou esta questão em um assunto prioritário e de urgente resolução para a Comissão Administrativa presidida por José Correia Abreu Pinto Cabral, uma vez que colocava a continuidade da comarca em risco e poderia redundar na submissão do concelho a um congénere.

A primeira referência nas reuniões da Comissão Administrativa relativamente ao andamento do processo surge em 10 de agosto de 1926. O Dr. Mendes Moreira propôs proceder-se à escolha de um terreno junto à Avenida da República e avançar para a respetiva aquisição para a construção das habitações. As razões da escolha da Avenida da República como o local privilegiado para a construção são omissas.

Nas reuniões seguintes, à medida que acompanhamos a leitura das atas, percebe-se perfeitamente o rumo que foi tomado, desde os primeiros passos até à entrega das casas. A Comissão Administrativa começou por indagar junto dos potenciais proprietários de terrenos os que tinham posses na Avenida de República e destes os que tinham intenção de vender. Como a resposta que obtiveram dos vários proprietários foi negativa, alguns por não possuírem aí terrenos e outros por lhes terem já destinado um fim, foi decidido escolher um terreno de interesse e oficiar o seu proprietário. A parcela escolhida pertencia a Alexandre Magalhães, residente em Valpaços, que foi convidado a firmar um acordo de cedência de um terreno pertencente à Quinta de Souto Meão. O espaço a ceder teria 30 metros de frente por 30 metros de lado e de fundo o suficiente para quadrar um terreno com 1500 metros quadrados, sendo comprado pelo valor de 5250 escudos.

Como o referido proprietário não se apresentou nos paços do concelho resolveu-se-lhe indicar que se partiria para uma expropriação por utilidade pública, preferindo-se a via amigável, mas não pondo de parte a via judicial em última necessidade. Acabaria por ser acordada a cedência de um terreno na denominada “Mata da Quinta de Souto Meão” com 994.5 metros quadrados através de um acordo amigável celebrado entre Maria Cândida Veiga de Magalhães, proprietária, e a Câmara Municipal a troco de 4972 escudos e da Câmara se responsabilizar pela vedação na parte confrontante com esta proprietária.

O processo não se afigurou fácil e ao contratempo relacionado com a aquisição do terreno juntaram-se-lhes outros dificultando a conclusão das habitações. O Município de Paredes não possuía capacidade financeira, quer para a construção das casas, quer para outros investimentos previstos para a Vila de Paredes, e teve que recorrer a um empréstimo financeiro. O próprio Decreto nº 11871 avançava a possibilidade de se recorrer a um empréstimo financeiro junto da Caixa Geral de Depósitos e foram solicitados 400 mil escudos a essa instituição bancária. O facto de ser uma quantia elevada levou a que Comissão Administrativa tivesse de indagar junto das juntas de freguesia a sua posição. Apresentando-se a maioria favorável avançou-se para o empréstimo.

A aprovação do empréstimo tardou ou, pelo menos, não foi tal célere quanto o pretendido. Até à obtenção da resposta positiva a Comissão Administrativa, tendo em conta o curto prazo que dispunha, comprometeu-se em continuar os trabalhos assumindo a responsabilidade coletiva das despesas. A contração de dívida carecia de aprovação ministerial, pelo que, de modo a acelerar o processo e desbloquear a verba, foi pedido ao Governador Civil do Porto que intercedesse na questão. A escritura do empréstimo foi assinada apenas a 7 de dezembro de 1927, comprometendo-se a edilidade paredense a pagar os 400 mil escudos através de tranches semestrais durante 15 anos à taxa de 9% de juro.

O valor pedido destinava-se a ser distribuído da seguinte forma: 110 mil escudos para a aquisição de terrenos, construção e mobília da Casa dos Magistrados; 70 mil para a exploração, encanamento e distribuição de água; 120 mil para a construção da central e distribuição de luz elétrica; 50 mil para expropriação, construção e término de várias ruas; 50 mil para aquisição de terrenos e construção do novo mercado.

O próprio Estado, talvez percebendo a pressão que havia colocado nos cofres dos municípios, promulgou a 7 de março de 1929 o Decreto nº 13229. Este decreto permitia a alienação dos terrenos baldios, desde que a receita remetesse para as despesas com a edificação ou compra das casas para os Magistrados. Esta foi uma das formas utilizadas em Paredes para a obtenção de fundos. Foi deliberado proceder-se à avaliação e medição de terrenos baldios em várias freguesias para posterior alienação em hasta pública.

A construção das casas foi feita por fases e por vários intervenientes, tendo sido as respetivas especialidades paulatinamente arrematadas em hasta pública. As plantas das casas, executadas por António Rosas, da cidade do Porto, previam duas casas similares com dois pisos. O rés-do-chão era destinado a arrumos, já o outro piso era composto por três quartos, um escritório, uma sala, uma cozinha e um quarto de banho, sendo as divisões ligadas por um corredor que desaguava na entrada. Existe um inventário, datado de 1982, onde é feita a descrição do mobiliário e outros artigos existentes em cada uma das divisões que nos permite ter uma ideia mais aproximada do interior das habitações nessa data. Um exemplar do inventário deveria ser fornecido aquando da ocupação da casa por um novo inquilino, pois o património municipal ficava à responsabilidade do locatário enquanto durasse o arrendamento.

A adjudicação da construção foi feita por arrematação através carta fechada, anunciada por Edital em 8 de fevereiro de 1927, e contou com a participação de vários intervenientes. O “grosso” da construção foi arrematado por António Moreira de Barros, de Guilhufe, para uma das casas e por Vitorino Moutinho, da Vila de Paredes, para a outra. Seguiram-se os mesmos trâmites para os trabalhos de trolha e para os de carpintaria. Os primeiros foram feitos pela Sociedade Cooperativa da Construção Civil de Paredes para uma das casas e por Francisco José do Vale, da Vila de Paredes, para outra e os segundos, para ambas habitações, por José de Sousa Moreira, respetivamente. Poderíamos elencar todos os gastos relacionados com a construção e mobiliário que se sucederam porque as fontes permitem-nos chegar a esses dados, no entanto, o elencado parece ser o bastante para o objetivo do presente texto. No total o valor dos encargos ultrapassou os 160 mil escudos, valor superior ao previsto aquando do empréstimo.

Concluída a construção das casas e a colocação das respetivas mobílias em novembro de 1929 foi oficiado o Juiz de Direito da comarca para que se fizesse a entrega da chave no primeiro dia do mês seguinte. Apesar da data de conclusão estar desfasada da data estipulada pelo decreto para a entrega em cerca de um ano, em reunião de câmara de 27 de março de 1929, decidiu-se enviar um ofício ao Conselho Superior Judiciário indicando que as casas estavam acabadas, porque ainda não se haviam pronunciado após o primeiro contacto. Estipulou-se também a renda a ser paga pelos inquilinos: o Juiz de Direito da Comarca 250 escudos e o Delegado Procurador da República 170 escudos, valores a serem pagos mensalmente ao Município.

Com o tempo as casas foram-se deteriorando, sendo necessárias intervenções para a sua preservação. Em 1977 foi autorizada uma empreitada para reparação das casas no valor de 400 mil escudos encomendada a Arcanjo Nunes. Apesar desta intervenção, poucos anos depois, em 1982, existiam várias queixas por parte do Juiz da Comarca sobre o mau estado da casa e da sua mobília. Existem vários ofícios deste pedindo a intervenção camarária nos reparos e considerando mesmo a casa imprópria para habitar nas condições em que se apresentava.

As queixas foram constantes no início da década de 80 sem que, tendo em conta os queixosos, a situação tivesse sido devidamente sanada. As casas acabaram por se transformar num sorvedouro de fundos municipais e, como a Lei nº 85/77, de 12 de dezembro previa que os encargos com as casas ficassem sob a tutela do Ministério da Justiça, foi cogitada a venda das casas a este organismo por 10 mil contos. A venda acabou por não se consumar nesta data, mas poucos anos depois seria este o destino. A escritura de venda destinada à construção urbana foi celebrada a 4 de julho de 1990 entre o Presidente Jorge Malheiro, em representação da Câmara Municipal de Paredes, e Manuel Joaquim Pereira de Magalhães, industrial de obras públicas de Lodares-Lousada, pelo preço de 39 milhões e 100 mil escudos.

Acabaria por ser a sentença final das Casas dos Magistrados. As residências foram demolidas e deram lugar a prédios. Resta apenas o registo fotográfico e a memória das pessoas. O progresso que motivou e alavancou as empreitadas na década de 20 era agora o mesmo que funcionava como carrasco destas habitações.

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Setembro 2024

Vasco Santos 

 

Fontes/ Bibliografia:

• Atas de sessões camarárias do Concelho de Paredes, Livro 30, em depósito no Arquivo Municipal de Paredes

• Atas de sessões camarárias do Concelho de Paredes, Livro 31, em depósito no Arquivo Municipal de Paredes

• Decreto n.º 11871. Diário do Governo: Série I nº 149 (1926/07/12). Disponível em 07470752.pdf (diariodarepublica.pt)

• Decreto n.º 13229. Diário do Governo: Série I nº 46 (1927/03/07). Disponível em 02990300.pdf (diariodarepublica.pt)

• Lei 85/77. Diário da República: Série I nº 286 (1977/12/13). Disponível em 28952915.pdf (diariodarepublica.pt)

• Escritura de contrato de empreitada “Reparação das Casas dos Magistrados” - Notariado Privativo- 5C.27.13, em depósito no Arquivo Municipal de Paredes

• Processo de obras municipais- 9H69.4, em depósito no Arquivo Municipal de Paredes

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