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Apontamentos da nossa história | A paisagem no século XVIII do atual Parque das Serras do Porto

Apontamentos da nossa história | A paisagem no século XVIII do atual Parque das Serras do Porto
17 Agosto 2023

Ao reler as Memórias Paroquiais de 1758 relativamente às paróquias do concelho de Paredes decidi olhar com mais atenção para as informações que poderiam relacionar-se com a área correspondente ao atual Parque das Serras do Porto, pelo que alarguei a minha leitura para as freguesias, pertencentes aos concelhos de Gondomar e de Valongo, com território no Parque. Apesar do documento em causa ter surgido com o objetivo de identificar, no País, os estragos provocados pelo terramoto de 1755, atentamos, fundamentalmente, às informações relacionadas com o território, do ponto de vista da orografia, da hidrologia, da fauna e da flora.

Porém, a visão daquela realidade fica dependente dos conhecimentos dos inquiridos, ou seja, dos reitores, dos encomendados, dos abades, dos padres e dos curas. Verifica-se que o empenho de alguns vai ao ponto de enviar observadores aos locais para que as respostas sejam o mais completas possíveis, outros, contudo, limitam-se a responder que desconhecem. Mas, aproveitando as respostas descritivas para a área em causa, as suas leituras fornecem informações que nos permitem viajar no tempo e comparar com o presente.

Logo à partida verifica-se que, por vezes, a referência a um mesmo local, serra ou rio pode divergir consoante o conhecimento do inquirido, assim como, alguns topónimos apontados no século XVIII, não permanecem atualmente.

Considerando que as Serras determinaram o tipo de povoamento natural e consequentemente o humano, organizamos e destacamos a informação, fornecida pelos inquiridos relativamente às serras, de norte para sul.

Serras:

O Abade de São Pedro da Cova descreve a existência de grandes outeiros e montes, mas, também, três serras, a saber: a serra de Pia que começa a nascente em São Martinho de Campo e vem entestar a poente na serra de Cavalo, passa ainda por São João da Foz, Aguiar de Sousa e acaba a sul de Covelo; a serra de Santa Justa, também conhecida por monte das Covas ou Cucamacuca, inicia a norte de Valongo e finda a sul no rio Ferreira, perto de São Pedro da Cova. O Abade Rosendo refere-se, ainda, à serra de Fânzeres, também chamada de Traz-ares, que inicia a norte no Monte Alto, divide Fânzeres e Valongo, e finda no rio Sousa a sul, no sítio perto do rio Douro ou como descreve o Abade de Fânzeres, acaba ao pé da freguesia de São Cosme.

Para Teodósio de Vasconcelos Portugal, abade de São Martinho de Campo, o sítio do Salto onde o rio Ferreira corta a serra de Valongo, prolongando-se pela serra de São Martinho, parte pelo cume a grande altura pela banda sul com a freguesia de São Romão de Aguiar de Sousa e São Pedro da Sobreira.

O Padre Cura de Covelo destaca duas Serras, a de Sores, que principia no rio Sousa e termina no lugar de Sobrido, em Santa Maria de Melres, e a dos Cavalos, que inicia na freguesia de São Pedro da Cova, junto ao rio Ferreira e acaba no rio Sousa, no lugar de Midões. De algum modo esta descrição é corroborada pelo Padre de Medas, porque considera que a serra de Sores principia em Sobrido e finda em Covelo. Contudo, acrescenta que a serra de Sores tem dois braços, o da Lameira do Carvalhal e o do de Corrogo.

O Abade João da Silva da freguesia de Aguiar de Sousa considera que não há serras, mas só montes e que o mais importante é o do Facho.

O Encomendado de Melres refere a existência da serra de Santa Eiria (Iria) que principia na Estivada e finda no Padrão.

Interessante é percebermos que a Serra de Sores corresponde atualmente à Serra das Flores, sendo que na Carta Militar (folha 134 do ano 1947) o ponto mais alto da serra das Flores mantém o topónimo de Açores.

A análise comparativa entre as descrições e a cartografia leva-nos a crer que a serra do Cavalo corresponde à atual serra do Castiçal, enquanto a área correspondente à serra de Fânzeres já não deve integrar o atual limite do Parque. A serra do Facho referida pelo Abade João da Silva de Aguiar de Sousa corresponde ao prolongamento, para norte, da atual serra de Santa Iria, ainda identificada como tal, na cartografia de 1945. Enquanto a serra de Valongo é da de Santa Justa e a de São Martinho corresponde à de Pia ou Pias.

Porém, a serra das Banjas que compõe o conjunto das seis serras do Parque não é mencionada porque a sua área estará integrada nas faldas sudeste da serra de Santa Iria, com início na Estivada hoje (Estirada), na freguesia de Melres e com termo, na Senhora do Salto.

Rios:

Nestas serras os vales são, nalguns sítios, bem profundos, atravessados por dois rios estruturantes na paisagem: o rio Sousa e o rio Ferreira. Relativamente ao rio Sousa, o Abade da Freguesia de Aguiar de Sousa diz que naquela freguesia não entra nele nenhum rio, só alguns regatos que o fazem aumentar no tempo de Inverno. Não é capaz de embarcação alguma e que em tempo de Inverno pelos regatos que entram nele é de curso arrebatado e de Verão mais humilde porque lhe faltam os regatos. Há nele criação de peixes miúdos e os célebres são as bogas, especialmente junto à Nossa Senhora do Salto. Também entram algumas lampreias em seu tempo que nele se costuma pescar. As pescarias são livres em todo o rio sem domínio algum. A virtude das águas é para regar os milhos dos campos e dos lameiros. Desde que nasce até se meter no Douro, sempre conservou o mesmo nome de Sousa (apesar do Abade de São Martinho de Campo chamar-lhe rio de Casconha, talvez por passar, pelo lugar com o mesmo nome, na Sobreira) e tem de comprimento oito léguas. Descreve, ainda, que passa pelo convento de Paço de Sousa, pela freguesia de Sobreira passa pelo Covelo e vai acabar na freguesia de São João da Foz do Sousa e nesta morre no Douro, defronte do lugar de Arnelas. Tem muitas levadas que o impedem de ser navegável. Segundo o mesmo abade, os povos desta freguesia não têm impedimento algum para usarem as águas para a cultura dos seus campos, nem pensão alguma.

Quanto ao rio Ferreira o Abade de São Martinho de Campo diz que chamam de Rio ou Ribeiro de Ponte Ferreira (também, assim designado pelo abade de São Pedro da Cova), passa pela dita freguesia, no sítio do Salto e discorre pela freguesia de São Pedro da Cova. Nasce logo caudaloso e corre todo o ano. No tempo de Inverno e de tempestade é muito furioso e arrebatado, porque tem estreito caminho e sai deste pelos campos, fazendo notáveis perdas nos frutos, levando árvores e moinhos. Porém, no Verão como traz pouca água e tem muitos açudes e levadas, estas impedem o curso e vai caindo de uma levada em outra. Cria trutas, barbos e bogas.

Fauna e Flora

No que respeita à fauna e à flora, as descrições dos inquiridos são pouco ou nada pormenorizadas. Contudo, nesta paisagem montanhosa, no século XVIII, hoje correspondente ao Parque das Serras do Porto, foi possível registar a existência de alguns sobreiros e castanheiros, árvores silvestres como espinheiros, medronheiros, zangarinheiros e matos de chamissas e urzes, pelo que se depreende estarmos perante uma floresta esparsa (Ver ilustração). Nela caçavam-se coelhos, perdizes e lebres. Enquanto nas margens dos rios predominavam os lameiros, árvores que davam uvas e cultivava-se o pão. Criavam-se, ainda, gados miúdos, ovelhas, bois e bestas.

Apesar da leitura ter ficado, apenas, pela visão que os membros do clero tinham no século XVIII, relativamente às características geográficas e naturais do seu território, as respostas dadas ao inquérito permite-nos compreender a paisagem, a fauna, a flora e os cursos de água dessa época.

De acordo com o descrito neste texto verificamos que a compreensão histórica e geográfica é fundamental para a interpretação da evolução das paisagens ao longo do tempo.

Agosto de 2023

Maria Antónia Silva (texto)

Flávio Marques Ribeiro (Ilustração)

Bibliografia:

CAPELA, José Viriato; MATOS, Henrique; BORRALHEIRO, Rogério (2009) - As Freguesias do Distrito do Porto nas Memórias Paroquiais de 1758. Memórias, História e Património. Coleção - Portugal nas Memórias Paroquiais de 1758. Braga, vol.5.

Corte exemplificativo estratos vegetais A4

Memórias Paroquiais 1758

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