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Apontamentos da Nossa História | 1963-2023: 60 anos da Adega Cooperativa de Paredes

Apontamentos da Nossa História | 1963-2023: 60 anos da Adega Cooperativa de Paredes
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21 Setembro 2023

A comemoração de uma data redonda é sempre um bom argumento para servir de mote à abordagem de um assunto. Neste caso, pelas mudanças recentes no nosso objeto de estudo, adensa a necessidade de conservar e perpetuar a memória de uma instituição marcante para a história local e, até mesmo, regional.

A memória recente relembra com facilidade um imponente edifício localizado na estrada nacional nº 15 na raia que medeia as antigas freguesias de Castelões de Cepeda com a de Mouriz, hoje ambas pertencentes à de Paredes, com as letras num verde garrido que inscrevem “ADEGA COOPERATIVA DE PAREDES”. Atualmente, o outrora edifício que por esta data estaria concorrido por diversos tratores para laborar mais uma colheita, deu o seu palco a um local em obras onde já se vislumbra um novo edifício, cujas missão e funções serão outras. No entanto, a memória de um espaço marcante, não só ao nível visual, mas também pela importância económica e social que teve num concelho até há bem pouco tempo bastante rural, deverá ser preservada e estudada.

Em 23 de Janeiro de 1963, na sede do Grémio da Lavoura, sito na Praça Doutor Oliveira de Salazar da vila de Paredes, reuniam, junto com Adercílio Pinto da Costa, ajudante do cartório notarial, trinta pessoas para constituírem uma cooperativa agrícola denominada Adega Cooperativa de Paredes, S.C.R.L. (Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada). Estavam, assim, lançadas as bases para a criação da Adega Cooperativa de Paredes, que, volvidos 60 anos da sua criação mantém ainda a sua existência. O seu percurso, ainda que de forma sucinta, face aos condicionalismos impostos pela própria natureza a que se destina este texto, será alvo da nossa atenção.

Importa, antes de mais, contextualizar, de forma breve, o surgimento deste tipo de instituições. A criação da Adega Cooperativa de Paredes não se reveste de carater único ou exclusivo. Pelo contrário, a sua criação insere-se num contexto de proliferação de constituição de cooperativas destinadas ao setor vitivinícola. Durante a década de 50 e 60 do século XX, e até mesmo antes, vão surgir várias instituições deste tipo, não sendo, portanto, uma novidade a criação desta e, quando em comparação com os concelhos mais próximos é a de Paredes a que tem a data de fundação mais recente (a título de exemplo: Lousada em 1955; Felgueiras em 1957; Amarante em 1958; Penafiel-Margem Tâmega em 1959). A tal difusão de adegas cooperativas não será alheia o modelo de conceção politico-económico-social do Estado Novo: o modelo corporativo. Com este modelo visava-se fomentar as explorações de interesse nacional, enquadrá-las economicamente, e até servindo como mecanismo de controlo social. Eram criadas estruturas hierarquizadas dependentes diretamente do estado ou das várias corporações ou juntas por este criadas, como é o caso da Junta Nacional do Vinho, relacionada com o caso em estudo.

Entrando mais especificamente no que concerne à Adega Cooperativa de Paredes, importa debruçarmo-nos sobre a sua fundação. O título de inscrição da sociedade no Registo Comercial e Predial de Paredes data de 23 de janeiro de 1963, sendo que a sua data de criação é apontada para 22 de março desse mesmo ano, como afirmam, por exemplo, os termos de abertura dos seus livros de atas. Esta cronologia remete para a data do alvará passado pelo Secretário de Estado da Agricultura e publicado no Diário de Governo a 4 de abril 1963. Em 7 de maio desse ano, no livro nº1-G da Conservatória do Registo Predial e Comercial de Paredes eram transcritos, para além do termo de criação, os estatutos que iriam reger a sociedade cooperativa que foram subscritos pelos 30 elementos tidos como fundadores. O número de sócios fundadores viria a ser aumentado para 127 na segunda reunião da assembleia geral de 21 de abril de 1965, onde se votou que todos os sócios inscritos até à data seriam considerados como tal. No total, e atendendo aos livros de registo de sócios, durante o seu percurso, estiveram inscritos como associados mais de 500 produtores do setor vitivinícola. Mais concretamente existem 536 registos de cooperadores, dos quais a larga maioria era natural ou possuidora de terras de produção no concelho de Paredes, apesar de existirem, também, de outros concelhos limítrofes.

Os estatutos, documento essencial à organização e gestão interna da instituição e, como tal, essenciais à compreensão da mesma, foram aprovados em 1963 e revistos cerca de 21 anos depois. Nestes é definido que a sociedade cooperativa agrícola tem como objetivo a transformação e venda dos produtos provenientes das explorações dos seus associados, tendo a sua sede no concelho de Paredes, área à qual circunscreve os seus limites, podendo, ainda, em caso de existir capacidade de laboração e não existência de uma instituição congénere, receber produtos de outras áreas dentro da sub-região de Penafiel.

Também neste documento são definidos os órgãos de gestão da cooperativa: Direção; Assembleia Geral; Conselho Fiscal. Aquando da aprovação dos Estatutos vem já definida a composição dos órgãos de gestão da Adega Cooperativa. Integraram a Direção o Dr. Acácio Alves Pereira, como Presidente, Padre Manuel Pinto de Abreu, como Secretário, e Dr. António Barbosa Leão como Tesoureiro. A Assembleia Geral teve como primeiro presidente Dr. José Mendes Moreira, vice-presidente Dr. José Maria Bragança Ribeiro, 1º Secretário Alberto Machado da Costa Rangel e 2º secretário Augusto de Barros Ruão. Já no Conselho Fiscal figuravam os nomes de José da Costa Moreira, como presidente, e de António Ribeiro de Magalhães Carvalho e Manuel Barbosa Leão como vogais.

A primeira reunião da Assembleia Geral deu-se a 2 de março de 1963 no Grémio da Lavoura de Paredes, onde se votou e se diligenciou a entrada da Adega Cooperativa de Paredes na União de Adegas de Vinho Verde (Vercoope). Atendendo à localização geográfica da área de produção, dentro da Região dos Vinhos Verdes, é natural que a principal produção da Adega seja deste tipo de vinho, quer vinho verde branco, quer tinto. A adesão à União de Adegas de Vinho Verde, onde várias congéneres também se associaram, visava, sobretudo, criar um mecanismo com capacidade de colocar no mercado a produção vinícola, sendo esta o principal destino da produção da Adega de Paredes. As principais marcas vendidas na Adega eram o “Fonte Sagrada” e mais tarde, já em 2003, o “Rota dos Móveis”.

As primeiras assembleias gerais reuniam no Grémio da Lavoura por falta de sede própria, sendo esse um dos principais temas a ser tratados: a aquisição de um terreno e construção de um espaço dotado para a laboração do vinho. Para tal intento foram adquiridos junto de particulares o “campo da estrada de Perrace” por 197.170$00, com 5672m2, e o “campo do Sousa” por 80.000$00. Foi, também, deliberado contrair um empréstimo na Junta de Colonização Interna no valor de 3 milhões e 800 mil escudos (mais tarde sucedido de outros para o mesmo fim) para construção e apetrechamento da sede da Adega, sendo dados como garantia hipotecárias os prédios acima mencionados. Apesar deste pedido de empréstimo, fruto da não adjudicação da obra na primeira abertura de concurso por falta de empreiteiros, teve de ser aberto novo concurso. Em 22 de novembro de 1965 foi adjudicada à empresa “Construções Delta, limitada”, do Porto, a construção do edifício por 4 milhões e 950 mil escudos. A obra deverá ter sido finalizada em 1968, pois a 3 de agosto deste ano a assembleia geral reúne já na sede da adega e não no grémio da lavoura como até à data acontecia.

A data da primeira colheita laborada pela Adega não é explicita quando nos debruçamos nos vários livros de atas. No entanto, uma indicação é-nos dada quanto atentamos nestes. Na sessão da assembleia geral extraordinária de 26 de agosto de 1967 é decidido que, ainda que com sacrifícios, se labore a colheita, que, por se prever fraca, as cubas existentes seriam suficientes para receber o vinho. De notar que, atendendo à data por nós apontada para a conclusão das obras (1968), tendo por argumento o local das reuniões para definição da conclusão das obras, ser posterior à desta colheita. Partindo deste prossuposto não nos é possível indicar o local de laboração da produção dos sócios da adega nesta data, por se prever que as obras não estariam ainda finalizadas.

Ao longo do seu percurso, a Adega vivenciou períodos de crescimento, mas também de graves crises. Não nos alongando muito neste capítulo podemos pincelar alguns dados necessários à compreensão e evolução da instituição.

A década de 60 e 70 parece ter sido uma época de crescendo, apesar da constante menção à necessidade de um melhoramento geral na qualidade do vinho e da aposta em determinadas castas. Na década de 80 haverá, fruto da publicação do Código Corporativo, uma reformulação dos Estatutos, em 1984, deixando a adega de ser uma sociedade e denominando-se por Adega Cooperativa C.R.L. Esta reformulação dos estatutos é um movimento generalizado pelas suas congéneres, brotando nesta década várias revisões estatutárias nestas instituições. Também é nesta década que surgem novas potencialidades, com a adesão à CEE, e acesso a apoios e fundos comunitários que a Adega irá aceder para proceder à requalificação e melhoramentos da mesma.

Será, ainda, na década de 80, mas mais notório nas seguintes, que se adensará um período negativo, não tanto derivado à falta de produção ou de qualidade do vinho, mas de escoamento e comercialização do produto. Este problema será transversal ao comércio do vinho e agravado no que concerne ao vinho verde “pela fraca valorização atribuída a este vinho”.

Medidas e regulamentos sobre a alcoolemia, concorrência de vinhos e estrangeiros, dificuldades de acesso a crédito a juros acessíveis e atendendo às vozes dos associados nas assembleias, uma escassa capacidade de marketing, contribuíram para uma diminuição do consumo e dificuldades de escoamento da produção e, consequentemente, a uma falta de liquidez e aumento de dívidas.

Em 2019, através de um acordo de expropriação amigável celebrado entre a Câmara Municipal de Paredes e a direção da Adega Cooperativa de Paredes, o edifício e outras parcelas de terrenos passaram para posse do Município que empreendeu obras, demolindo o antigo edifício e construindo nesse local um auditório municipal que será inaugurado, simbolicamente, a 25 de abril do próximo ano. Tal facto não implicou a dissolução da Adega, que apesar de não laborar, ainda existe enquanto instituição.

Não carece de dúvida a sua importância económica, mas o seu impacto social e cultural é também notório na sociedade paredense nos últimos sessenta anos. Este breve apontamento visa não só trazer um pouco de luz para que não se perca no esquecimento propiciado pela passagem da importância da Adega Cooperativa de Paredes, mas também lançar as bases para um trabalho mais sustentando sobre esta num futuro, que esperemos próximo.

Vasco Santos

20 de setembro de 2023

 

 

Fontes e Bibliografia:

• Título de constituição da Adega Cooperativa, Livro 2-C, nº84, fl. 24v., em depósito na Conservatória dos Registo Predial e Comercial de Paredes

• Título de constituição da Adega Cooperativa e Estatutos, Livro 1-G, nº1, fl. 1v. e seg., em depósito na Conservatória dos Registo Predial e Comercial de Paredes

• Livro de atas da Direção nº1 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de atas da Direção nº2 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de atas da Assembleia Geral nº1 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de atas da Assembleia Geral nº2 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de atas da Assembleia Geral nº3 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de atas do Conselho Fiscal nº1 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de atas da Assembleia Eleitoral nº1 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de atas da Tomada de Posse nº1 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de Registo de sócios nº1 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de Registo de sócios nº2 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de Registo de sócios nº3 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de Registo de sócios nº4 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de Registo de sócios nº5 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• Livro de Registo de sócios nº6 da Adega Cooperativa de Paredes, em depósito na Cooperativa Agrícola de Paredes

• ADEGA COOPERATIVA DE PAREDES C.R.L. (1984). Estatutos Adega Cooperativa de Paredes, C.R.L. Paredes.

• Pereira, Maria da Conceição Brito (2007). Ação e Património da Junta Nacional do Vinho (1937-1986). Lisboa. Universidade Aberta

• Rosas, Fernando et Garrido, Alvaro (coord.) (2012). CORPORATIVISMO, FASCISMOS, ESTADO NOVO. Coimbra: Almedina

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