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Apontamentos da Nossa Terra | Maria José Alves Pereira da Silva: o silêncio que permanece

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18 Dezembro 2025

Há figuras cuja grandeza não se mede pelo ruído que fazem em vida, mas pela profundidade do silêncio que deixam depois de partirem. Maria José Alves Pereira da Silva, cujo centenário de nascimento se assinala em 2025, é um desses nomes que, sem estrondo mediático, sem urgências de protagonismo, construiu uma obra literária que permanece como um património afetivo e cultural para Paredes e para todos os que reconhecem na poesia um lugar de verdade.

Nascida em Luanda, em 1925, por contingências profissionais do pai – ferroviário e guarda-redes do Ferroviário de Angola –, regressou ainda bebé à terra que sempre reconheceu como sua: Castelões de Cepeda, Paredes. Esta ligação às raízes não foi mero detalhe biográfico, mas a seiva que alimentou toda a sua escrita. Apesar de ter nascido longe, era, de facto, paredense de alma e de sangue, como tantas vezes testemunham os que privaram com ela.

A sua vida literária começou cedo e desenvolveu-se com discrição. Publicou o primeiro livro, Ilha dos Amores (1961), e pouco depois Labaredas em Prece (1964). Ambos se esgotaram, o que, por si só, diz muito da receptividade silenciosa mas fiel dos seus leitores. Em 1992 surgiram Estrelas do meu Céu e Cais do Desencanto, reunidos numa só edição. Depois disso, muito ficou guardado, não numa gaveta esquecida, mas num espaço digital que hoje mantém viva a sua memória: o seu blog (mjaps.blogs.sapo.pt), verdadeiro acervo da sua sensibilidade poética.

O percurso desta poetisa não se fez apenas de publicações, mas de reconhecimentos que atravessaram décadas: centenas de prémios em Jogos Florais, entre os quais três Penas de Ouro e duas de Prata, participações em antologias internacionais e distinções em concursos do Lavradio aos de âmbito internacional. A sua poesia ultrapassou fronteiras, embora ela nunca tenha procurado atravessá-las a qualquer custo.

Mas talvez o mais precioso testemunho da sua importância venha de quem a leu com olhos de dentro. Monsenhor Moreira das Neves, em 1980, descreveu-a como alguém que vivia “na discreta tranquilidade de quem olha o mundo da sua janela”, acrescentando que as suas estrofes eram “feitas de sangue e sonho”. É raro um elogio tão profundo quanto certeiro: Maria José escrevia como quem respira — com verdade, com simplicidade, com uma entrega absoluta ao essencial.

Por isso, quando hoje olhamos para a sua vida, é difícil não sentir que o silêncio de que tanto falava – um silêncio de recato, de contemplação, de humildade – nunca foi ausência, mas presença. Um silêncio que ensinava. Um silêncio que permanece.

A par da sua vida literária, Maria José construiu a sua história familiar com igual dedicação. Casou com Manuel Pinto Ferreira de Sousa, advogado, professor, escritor, homem de pensamento, que também celebraria em 2025 o seu centenário de nascimento. Juntos tiveram dois filhos — Renato Cláudio e Rafael Telmo, ambos professores, ambos ligados ao território e à cultura, prolongando assim a herança intelectual dos pais.

Falar de Maria José é, inevitavelmente, falar de uma época em que a escrita se fazia à máquina, devagar, com peso e intenção. É lembrar que o talento viveu muitas vezes fechado num escritório, entre poemas, memórias, afetos e a serenidade de quem nunca procurou aplausos. É recordar que a verdadeira grandeza literária nem sempre nasce do destaque, mas do gesto contínuo de criar — todos os dias, discretamente, fielmente.

Partiu em 2015, deixando 89 anos de vida vivida com dignidade, sensibilidade e firmeza. Deixou saudades, como é inevitável, mas mais do que isso: deixou lugar para nunca ser esquecida.

No centenário do seu nascimento, o que celebramos não é apenas a poetisa, mas a mulher cuja escrita continua a iluminar – como estrela discreta – a cultura paredense e a memória de todos os que acreditam que a poesia nasce, antes de tudo, de uma vida cuidadosamente vivida.

Dezembro de 2025

Rafael Telmo da Silva Ferreira

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