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- Apontamentos da Nossa História | José Augusto Lemos Peixoto- uma personalidade Paredense da viragem de oitocentos para o século XIX.
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Apontamentos da Nossa História | José Augusto Lemos Peixoto- uma personalidade Paredense da viragem de oitocentos para o século XIX.
A história dos heróis é hoje um tema já ultrapassado na historiografia, no entanto algumas personalidades continuam ainda nas sombras do desconhecimento. Descobrir as razões de tal lacuna não é o mais importante neste caso, visto que várias são as razões que poderiam ser enumeradas e muitas outras ficariam decerto de fora da equação.
Um acaso furtuito foi o que nos fez encontrar a personalidade que aqui, ainda que não com a profundidade que certamente merecia, tentaremos trazer um pouco de luz. Não pretendemos aqui traçar uma hagiografia, tão pouco exaltar ou homenagear o homem, mas elucidar sobre a história de um homem com percurso notável e que contribuiu para uma maior perceção da história local e até nacional.
Os apelidos Lemos Peixoto aos dias de hoje não dirão grande coisa aos menos interessados nos temas da história ou genealogia. Talvez, aos mais entusiastas ou aos que mais diretamente lidam com os seus descendentes, o nome poderá remeter para a Quinta da Amoreira em Mouriz ou para um antigo presidente camarário, embora longe da proeminência que esta família tinha no período a que este texto se reporta.
De facto, a nível local, será bem mais conhecido o nome do seu irmão, o conselheiro Francisco Lemos da Silva Peixoto. Foi este um líder local dos progressistas na transição do século XIX para o XX e presidente do concelho de Paredes por duas ocasiões, para além do desempenho de outros cargos, que lhe valeram, por exemplo, a imortalização na nomenclatura de uma rua na extinta freguesia de Mouriz. O efeito da primogenitura sentiu-se neste caso, não só na questão das heranças familiares, como veremos, mas também no reconhecimento do legado face ao irmão mais novo José Augusto de Lemos Peixoto. Este último é um dos paredenses cuja história, quer política, quer profissional, é mal conhecida, mas cujo percurso se equipara aos paredenses de primeira água.
José Augusto de Lemos Peixoto nasceu a 14 do mês de outubro de 1848 na freguesia de Mouriz, tendo sido batizado pelo reitor Francisco José Pedro Soares na igreja paroquial desta freguesia no dia 26 do mês seguinte. Filho de Francisco Ponciano da Silva Peixoto e de Engrácia Coelho de Lemos Ferraz, senhores da Casa da Amoreira situada na suprarreferida freguesia, teve como seus padrinhos de batismo o seu irmão António e sua tia materna Maria Augusta da Silva Peixoto.
Os seus avós paternos foram António José da Silva Peixoto e Maria Joaquina Cardoso da Silva Peixoto da quinta de Quintela, situada em Guilhufe, onde nasceu o seu pai que, por via do casamento com Engrácia Coelho de Lemos Ferraz, se torna senhor da Casa da Amoreira. Pela parte materna, embora referido como neto de avós incógnitos no registo paroquial de batismo, são os seus avós o padre Manuel de Lemos Coelho Ferraz de Sousa Rebelo e Vasconcelos e Joaquina Monteiro de Brito.
José Augusto era o mais novo dos filhos do casal, tendo três irmãos mais velhos. António Bernardo de Lemos Peixoto, seu padrinho que faleceu jovem, Francisco de Lemos da Silva Peixoto e Maria Emília da Silva Lemos Peixoto. Presume-se que José terá vivido com os pais na Casa da Amoreira até à data em que viajou para Coimbra ingressar nos estudos. Em 1869 viu partir o seu pai que, em testamento de mão comum com sua mãe, declararam preferência pelo irmão Francisco, o mais velho que se encontrava vivo, para herdar a quinta da Amoreira. É, no entanto, referido no testamento que José e Maria devem ser beneficiados pois “ a vantagem com consideramos estes dous mais novos,, resulta, não de lhes termos maior perdileção, pois a todos queremos como filhos, mas sim de ter sido prezado já á caza com a sua formatura o filho mais velho, assim como agora o esta o filho Jose nos estudos..”.
Á semelhança do irmão Francisco, embora este tenha estudado Direito, José Augusto cursou na Universidade de Coimbra. É referido na documentação em depósito no Arquivo da Universidade de Coimbra que se matriculou em 1868 em Filosofia, mas que a 3 de outubro de 1970 foi admitido em Medicina. Esta fase da sua vida académica terá sido deveras importante, não só pela obtenção do curso, mas pelos contactos que estabeleceu com alguns dos nomes que viriam a ser dos mais importantes da sua época.
Aprovado no curso de Medicina por nemine discrepante em agosto de 1875 volta a Paredes para de casar com Maria Augusta Coelho Viana a três de novembro desse mesmo ano na Igreja de Castelões de Cepeda. Com a sua esposa teve quatro filhos: Albertina, Laura, Berta e José Augusto.
Como não herda a quinta da Amoreira e porque tenha possivelmente visto maior potencial na cidade do Porto para desempenhar a sua profissão muda-se com a sua mulher para a cidade Invicta. No Porto instala-se inicialmente na Rua Fernandes Tomas nº237 e, numa fase posterior, para uma localização próxima da primeira moranda na Rua da Alegria nº171.
Desempenhou funções médicas no Hospital Geral de Santo António desde o inicio da década de 80 de oitocentos e no Hospital de Alienados Conde de Ferreira. Nestes locais conviveu com alguns dos nomes mais proeminentes da Medicina como Joaquim Urbano, Magalhães Lemos, José Maria de Sena ou Júlio de Matos. Será, em tributo à memória de José Maria de Sena, primeiro diretor do Hospital Conde de Ferreira, o principal impulsionador da colocação de um busto no átrio do Hospital Conde Ferreira, e da criação do Prémio Doutor Sena com o remanescente do valor cedido para a obra. Por inerência de serviço, uma vez que a Misericórdia do Porto tinha tutela nos hospitais, entre como irmão a 30 de julho de 1896.
Durante o seu serviço destacamos o facto de ter integrado o corpo clínico encarregue por receber o rei D. Manuel e o seu séquito aquando da sua visita ao norte em 1908 onde visitou ambos os hospitais onde José Augusto desempenhava funções. Acompanhou também a rainha D. Amélia na visita às enfermarias do Hospital Santo António. Findou o seu serviço em 1921 aposentando-se com um rendimento total de 238$22 réis.
Existe também uma indicação que remete para que tenha desempenhado funções de médico na Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, tendo sido demitido das suas funções posteriormente, por volta 1892, ainda que admitisse desconhecer as razões que levaram a tal medida. Não sabemos qual a vigência deste seu trabalho nem em que consistia.
Para além das funções como médico, Lemos Peixoto exerceu funções de professor no Instituto Industrial e Comercial do Porto. Aos 11 dias do mês de dezembro de 1888 toma parte como lente catedrático de parte da vigésima cadeira: geografia e história elementar, matérias um pouco dispares da sua área de especialização. Após o seu tirocínio de dois anos é confirmado em outubro de 1891 como lente da segunda disciplina “Geographia e história económica e commercial de Portugal e suas colonias” . Será um dos maiores defensores e esteve diretamente envolvido na reforma do Instituto que se decorreu na década de 90 do século XIX. Ficará a lecionar no Instituto até perto da sua morte, desempenhando funções até para lá da segunda década do século XX.
O percurso político e dedicado à causa pública de José Augusto de Lemos Peixoto é notável e talvez encontre uma raiz familiar. Na sua ascendência o desempenho de cargos públicos é algo que não é desconhecido. Os seus antepassados da Quinta da Amoreira já desde o século XVII, pelo menos, conservavam para si o tabelionado do público e das sisas do concelho de Aguiar de Sousa. Já o antigo concelho não existia quando José Augusto nasceu, no entanto não precisaríamos de recuar tanto no tempo para perceber a ligação familiar à política. A sua família durante a segunda metade do século XIX, sobretudo a nível local terá um enorme peso político. Seu pai Francisco Ponciano foi por duas vezes parte integrante do executivo municipal de Paredes. Vice-presidente durante a comissão interina presidida por António Dias Moreira (9/6/1846 a 23/9/1846), foi vereador efetivo na Câmara no mandato seguinte. O seu irmão Francisco terá também um percurso político a nível local, sendo, como já referido, presidente do concelho por duas vezes pelo partido progressista, tornando-se numa das principais figuras deste partido em Paredes. Anteriormente, e como porta de entrada na política municipal, foi vice-presidente durante o mandato presidido por José Guilherme Pacheco, curiosamente do partido regenerador.
Tal como o seu irmão, José Augusto estará nas fileiras do partido progressista tendo sido eleito por duas vezes Deputado da Nação, coincidindo sempre os seus mandatos com a vitória do seu partido. Foi nomeado para o seu primeiro mandado a 17 de janeiro de 1900, embora só tomasse posse a doze do mês seguinte. Cessará funções a 26 de junho de 1901 com uma participação pouco ativa, pelo menos em comparação com alguns dos seus congéneres deputados.
Das sessões que se realizaram durante este período foram mais as que não compareceu do que aquelas em que assinou presença. Para tal podem ter contribuído diversos fatores, nomeadamente o seu estado de saúde. Sabemos, através da correspondência, que teve alguns períodos com debilidades na saúde recorrendo inclusive a tratamentos termais. Destaca-se deste primeiro mandato a apresentação de uma proposta na sessão de 23/5/1900, em conjunto com Adriano Antero, colega no Instituto e amigo pessoal, para que se junte ao artigo apresentado por António Cabral no cap. 3 proposta 27 “e bem assim aplicar as bases da última reforma ao Instituto Industrial e Comercial de Lisboa ao Instituto Comercia e Industrial do Porto também sem aumento de despesa”.
O seu segundo mandato, mais pequeno que o primeiro, iniciou-se em 4 de abril de 1905 e findou a 9 de fevereiro do ano seguinte. Neste segundo mandato é apenas referido por duas vezes: a primeira como representante dos antigos empregados da Administração Geral dos Tabacos onde pede que na redação do contrato definitivo para exploração de tabacos com a nova empresa sejam acautelados os direitos dos trabalhadores; a segunda, a 29/8/1905, embora não tenha comparecido, a ser nomeado para a comissão de saúde pública. A sua assiduidade aumenta, pois participa em cerca de metade das sessões realizadas durante este período de tempo, percentagem bastante mais elevada relativamente ao anterior mandato.
O seu percurso fez com que fosse extremamente bem conectado. Para além dos nomes ligados à medicina tinha um contacto próximo com nomes proeminentes da época como Adriano Antero e várias cartas trocadas (que denotam uma relação pessoal bastante próxima) com Bernardino Machado, que viria a ser Presidente da República. Outros dos remetentes das suas cartas foi José Luciano de Castro, um dos fundadores e líder do partido progressista e Presidente do Conselho de Ministros. Por outro lado, e próprio dos meandros da política, teve as suas fricções, sobretudo com os regeneradores, como, por exemplo, com João Arroio.
Apesar de muito cedo se ter mudado para fora dos limites do concelho de Paredes são vários os indicadores apontam que José Augusto de Lemos Peixoto tinha conhecimento da realidade local. Quanto mais não fosse o contacto que mantinha com o seu irmão seria uma boa fonte para estar a par dos acontecimentos que decorriam no seu concelho de nascença. Outro indicador importante é o conhecimento que temos das deslocações que fazia à zona, por exemplo à casa de Monterroso da qual sua esposa tinha relações familiares. Embora esta quinta pertença a Penafiel a proximidade geográfica a Paredes poderá indicar que passava por este concelho. Embora desconheçamos provas que indicam a sua presença em Paredes, por exemplo em visita à família, é bastante provável que tal acontecesse, uma vez que não existem indicadores de animosidade para com estes. Pelo contrário, quando atentamos no testamento do seu filho, vemos que das testemunhas presentes duas delas têm relação com Paredes: António Augusto Lemos Peixoto, seu familiar, e António Cabral da Silva Torres de Castelões de Cepeda. Tal facto poderá indicar que a ligação a Paredes se manteve não só com José Augusto de Lemos Peixoto como na geração seguinte.
Também o facto de ser sócio extraordinário, devido à distância da sua morada à sede, do Club Paredense, é revelador que não estaria alheado dos assuntos locais. Aliás será ele o mediador da reintegração de vários elementos no referido clube após uma saída em massa de elementos progressistas como consequência de um desentendimento entre Belmiro Augusto de Oliveira e Joaquim de Meireles.
Se dúvidas restassem o facto de ter sido eleito deputado da nação pela primeira vez pelo círculo nº34, correspondente a Paredes, ajudam a dissipa-las. Para além de reconhecer a realidade era também ele reconhecido. Usará também a sua influência para concorrer para a resolução de alguns pedidos que lhe eram feitos por paredenses ou em prol da terra que o elegeu. Um destes casos, a título de exemplo, é o de António Joaquim Coelho Barbosa que tinha sido, segundo José Augusto, violentamente transferido do seu cargo na Comarca de Paredes para a Ilha Graciosa onde foi colocado como contador e que José Augusto, junto de Bernardino Machado, exerceu influência para que se revertesse a situação.
José Augusto de Lemos Peixoto morreu com 76 anos na rua da Alegria, sua última morada. Segundo o seu testamento, elaborado em 17 de maio de 1922, deixou a terça parte e o resto necessário à sobrevivência da sua esposa, que é sua testamenteira, e reparte todos os seus restantes bens equitativamente entre todos os seus filhos pois “egual é o afecto que a cada um deles dedico” . O dia 21 de maio de 1925 foi o último dia de vida deste paredense que deixou um percurso profissional e político ímpar. Na sessão da Camara dos Deputados de 1 de junho de 1925 foi feito e lavrado em ata um voto de pesar proposto pelo Presidente sobre o seu falecimento reconhecendo o seu contributo à nação.
Fica neste apontamento, ainda que, pela sua extensão, assim não possa ser chamado, um pouco de luz sobre um paredense que se notabilizou no seu tempo. Outros existirão, por certo, que estão ainda por verem a sua história reconhecida. Cabe-nos a tarefa de ir resgatando alguns pedaços da sua história que ajudam a compor a história local e nacional.
Vasco Santos
Técnico Superior de Arquivo
Fontes:
Arquivo Distrital do Porto- Registo de batismo- PT-ADPRT-PRQ-PPRD16-001-0009
Arquivo Distrital do Porto-Registo de casamento- PT-ADPRT-PRQ-PPRD07-002-0008
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1880-1881
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1889-1890
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1891-1892
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1895-1896
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1896-1897
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1903-1904
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1906-1907
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1908-1909
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1910-1911
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1911-1912
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1912-1913
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1913-1914
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1914-1915
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1915-1916
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1916-1917
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1917-1918
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1918-1919
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1919-1920
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1920-1921
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto- Relatórios da Mesa Administrativa 1921-1922
Arquivo Municipal de Paredes, Atas da Direção do Clube Paredense, Livro 1
Arquivo Municipal de Paredes, Livro de Registos de Testamentos, Testamento de mão comum Francisco Ponciano da Silva Peixoto e de Engrácia Coelho de Lemos Ferraz, Livro 13
Arquivo Municipal do Porto- Testamento de José Augusto de Lemos Peixoto- PT-CMP-AM/PUB/ABOR/8/RT12447
Arquivo Municipal do Porto- Testamento de José Augusto Viana de Lemos Peixoto- PT-CMP-AM/PUB/ABSO/8/RT12451
Arquivo da Universidade de Coimbra- PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/P/001885
Fundação Mário Sares- Arquivo Bernardino Machado- Correspondência troca com José Augusto Lemos Peixoto
Museu do Instituto Superior de Engenharia do Porto- Subfunfo Escola Industrial do Porto