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'Apontamentos da Nossa História' - Chaminé industrial de Cristelo: Contributos para o seu estudo

"Apontamentos da Nossa História" - Chaminé industrial de Cristelo: Contributos para o seu estudo
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16 Maio 2024

A Chaminé Industrial localizada na Freguesia de Cristelo faz este ano 100 anos. Atualmente é o único exemplar existente no concelho de Paredes, pese embora o facto de ter existido uma outra chaminé muito semelhante, associada à fábrica da Boa Nova, em Vilela, hoje, apenas, existente em registo fotográfico.

A Chaminé de Cristelo é uma construção local, que se impõe na paisagem como um marco de antiga indústria, mantendo-se mesmo com a desativação ou desaparecimento da fábrica. Apesar de sabermos que a sua função era para remoção de fumos, tem sido uma incógnita quanto à tipologia fabril para a qual foi construída, pelo que se impõe uma pesquisa mais aturada, de modo a traçar a sua história e a história local.

Este elemento arquitetónico tem vindo a despertar interesse com vista ao melhor conhecimento, constando no inventário do Património Arquitetónico Municipal e integrando o PDM. Tem, igualmente, sido objeto de estudo no âmbito de cursos universitários, como é o caso de um trabalho desenvolvido por Luís Dias, no curso de História e Arqueologia da Universidade Évora, em 2021. O resultado obtido centra-se, fundamentalmente, na recolha oral, raramente na documental pela sua inexistência e na observação direta.

Um painel de azulejo aplicado a meia altura da Chaminé, voltado a norte, permite-nos ler (apesar da era estar tendencialmente a ocultar), que a sua construção foi de J. Cardoso a 5 de janeiro de 1924, conforme registo fotográfico de 2015.

A chaminé é designada carinhosamente pelas gentes locais, por “canudo” e reconhecida por todos como um marco histórico de Cristelo e, por consequência, do concelho de Paredes, que deverá ser preservado e valorizado como valor histórico e potencial turístico (DIAS 2021).

Este elemento patrimonial centenário pertenceu a um complexo industrial, que para a época teria sido imponente. O impulsionador do projeto e proprietário do terreno foi Arlindo Pinto Meireles, falecido em 1945, casado com Ana Augusta Macedo da Mota Meireles. Segundo Arlindo Lourenço, a quem desde já agradecemos todas as informações e cedência de fotografias, o projeto terá tido uma parceria financeira com um senhor de nome Amadeu Christêllo.

À data, a área construtiva era muito grande, com 12 cumeadas e 24 águas definindo áreas estreitas, mas longas, com orientação este/oeste, todas coincidentes com uma abertura para a via pública. No interior do que ainda resta, podem-se observar os pilares de ferro a suportar a cobertura, com grande pé direito, bem como no pavimento, marcas dos acessos a condutas inferiores, em direção à chaminé. Na fachada sul, ainda permanece na extremidade oeste, uma torre com funções de depósito de água, assim como na extremidade noroeste sobressai a imponente chaminé em alvenaria de tijolo que terá cerca de 25 a 30 metros de altura. Arquitetonicamente, a chaminé carateriza-se pela base, ou seja, a parte inferior da Chaminé, que é de configuração circular, onde se localiza a entrada de acesso ao interior, em arco redondo, definido por uma moldura de tijolo, que servia para operações de limpeza e manutenção; o fuste, de forma cónica, cujo diâmetro da base é superior ao diâmetro do topo. Apresenta, a poucos metros da base, molduras salientes, com destaque para uma fiada decorativa de tijolos dispostos verticalmente e salientes. Os tijolos são assentes de forma desencontrada, sendo que o fuste tem uma sequência espaçada, de fiadas de tijolos dispostos de modo contínuo, formando anéis decorativos até à coroa. Esta, que funciona simultaneamente como elemento ornamental e remate da chaminé, também, tem molduras salientes, sendo uma delas decorada com uma fiada de tijolos salientes e em posição vertical. No fuste, observa-se um pequeno azulejo cujo motivo não conseguimos decifrar. Não podemos, ainda, deixar de referir a fundação ou alicerces, normalmente não acessíveis, mas por nós visitada em 2015. Observou-se uma fundação, também circular, com cerca de um metro de profundidade e o seu interior em altura, de secção circular, oca e a estreitar para a parte superior. Normalmente, as dimensões da fundação dependiam da altura, das cargas a que estaria sujeita e características do terreno (CARDOSO 2017). No topo desta chaminé observamos a existência de para-raios.

Com o falecimento de Arlindo Pinto Meireles, em 1945, estes bens ficaram para a viúva e, posteriormente, para as filhas Benilde Augusta Pinto Meireles, que casou com Carmindo Carvalho Maia e terá vivido na casa, construída junto do então complexo industrial e Irene Augusta Pinto Meireles, madrinha de Arlindo Lourenço.

Atualmente, podemos dizer que, apesar, de sucessivas demolições e alterações, uma das áreas, que ainda permanece, corresponde a duas das antigas cumeadas. Outra foi transformada em habitação, mais tarde Centro de Saúde, Sede do Futebol Clube de Cristelo e comércio.

Porém, quanto à verdadeira função para a qual este complexo foi construído, não sabemos ao certo. Para alguns anciãos Cristelenses, a intenção inicial terá sido para uma fábrica têxtil. Apesar do Anuário Comercial de 1922 referir que Arlindo Pinto Meireles comercializava fazendas e miudezas, Arlindo Lourenço, que conviveu de perto com as filhas do promotor, só lhes ouviu falar que era para uma fábrica de fundição, mas que nunca terá funcionado, porque as máquinas para o efeito teriam ficado na alfândega por falta de cumprimento financeiro. Existe, ainda, a memória por parte de alguns Cristelenses dos seus familiares trabalharem na construção da chaminé, carregando manualmente os tijolos para a sua construção.

Este era um empreendimento, que nos anos 20 do século XX, era encarado de grande importância para a freguesia, uma vez que iria gerar empregos e era elucidativo do progresso e desenvolvimento que a freguesia estava a apresentar. A capacidade de iniciativa e empreendedorismo de Arlindo Pinto Meireles era visível já em 1913, quando requer à Câmara Municipal de Paredes um exame para se habilitar a “guiar trem com parelha”, tendo ficado habilitado a “guiar trens com um, dois ou mais cavalos” (AMP. Req. Nº 20, 15-02-1913).

Aparentemente, e com base nas informações orais, parece que nada mais aconteceu em termos industriais. Contudo, a título de curiosidade e de contributo para mais investigação, damos a conhecer uma interessantíssima peça de cerâmica de Sacavém, adquirida num antiquário e gentilmente dada a conhecer por Carlos Ferraz.

Esta peça é composta por recipiente e tampa, de forma circular. Na face exterior lê-se em letras maiúsculas “A INDUSTRIAL AGRICOLA DE CHRISTELLO, L.DA PAREDES” e na tampa está estampada a figura de São Miguel, sobre as nuvens, vestido de soldado, a lutar contra o dragão/diabo. Na bordadura tem quatro pequenas ranhuras coincidentes com outras quatro localizadas no fundo e que serviriam para traçar um fio de segurança. Esta peça corresponderá a uma manteigueira. Apesar de não haver memória quanto à existência de produção de manteiga em Cristelo, no Anuário Comercial do ano de 1935, é referida uma manteigaria na posse de Arlindo Pinto de Meireles, na freguesia de Cristelo. Nos álbuns de Benilde e Irene existem duas fotografias do interior, do que supomos ter pertencido à manteigaria e que nos parece corresponder ao edifício construído de novo e adaptado para habitação, junto ao complexo fabril.

A título de curiosidade, a acrescentar a estes elementos, identificámos fotografias, no álbum da Benilde Augusta Pinto Meireles, de um cortejo alegórico à temática do leite e à produção de manteiga. As mulheres vestem-se todas de bata branca e levam uma leiteira à cabeça. No veículo seguem máquinas e a simulação da respetiva produção. Na frente da viatura vão uns dísticos aonde se pode ler: Ano Áureo dos Centenários, as datas de 1140, 1640 e 1940 e Paredes, ladeados por três bandeiras. Na lateral visível veem-se desenhadas sucessivas linhas arqueadas, a palavra manteiga e a palavra Halos. Depreende-se que a produção de manteiga seria uma atividade local relevante, para se fazer representar esta indústria no cortejo, como resposta ao apelo da Comissão Local para as Comemorações dos Centenários (O Progresso de Paredes 1940).

Refira-se que, no início do século XX, a produção de manteiga era já evidente no concelho de Paredes, com duas fábricas de manteiga a funcionar em Baltar, uma em Cete, uma em Parada de Todeia, duas em Recarei e duas na Sobreira (BARREIRO 1922 e 1924).

De qualquer modo, o exposto não deixa de ser, apenas, um contributo para uma investigação mais profunda. A História Local e a identidade coletiva são reforçadas e alicerçadas no conhecimento.

Num momento em que se assinalam os 100 anos da construção deste complexo, importa assinalar e alicerçar o conhecimento deste que é um exemplo patrimonial único no concelho e significativo para a freguesia de Cristelo.

Maio de 2024

Maria Antónia Silva

José Mendonça Costa

Fontes:

AMP - Arquivo Municipal de Paredes. Req. Nº 20, 15-02-1913

Anuário Comercial de Portugal, 1922, 1935.

BARREIRO, José (1922-1924) – Monografia de Paredes. Paredes, Portugal: Tipografia Mendonça.

CARDOSO, Nicole Cacais (2017) – Chaminés industriais de alvenaria de tijolo. Contributo para a sua caracterização envolvendo a ciência cidadã. Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa (Dissertação de Mestrado). Consultado em: http://hdl.handle.net/10362/40170

DIAS, Luís (2021) – Arqueologia Industrial. Chaminé Industrial da Freguesia de Cristelo. Trabalho para a unidade Curricular de Arqueologia Industrial. Curso de História e Arqueologia. Universidade de Évora.

O Progresso de Paredes (1940)

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