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- Apontamentos da Nossa História | "A transição do Concelho de Aguiar de Sousa para o de Paredes nas atas camarárias"
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Apontamentos da Nossa História | 'A transição do Concelho de Aguiar de Sousa para o de Paredes nas atas camarárias'
O início do século XIX português foi turbulento. Iniciando-se com as Invasões Napoleónicas, e consequente “fuga estratégica” da corte portuguesa para o Brasil, e culminando com a conturbada e cheia de percalços instalação do liberalismo que resultou em guerra civil.
Interessa-nos contextualizar sobretudo o período liberal. A par do que aconteceu por outros países da Europa, em 1820, após uma revolta liberal, é posto fim à monarquia do tipo absoluto e instala-se uma monarquia constitucional em Portugal. O período a que comumente chamamos liberalismo é um período conturbado, de grande agitação política, económica e social, com lutas, num momento inicial, entre absolutistas e liberais e, posteriormente, entre os partidários da Constituição e os defensores da Carta.
Apesar de todo este agitado contexto é durante o liberalismo que se procedem a importantes reformas administrativas, uma das quais que vem determinar a criação do Concelho de Paredes. Atualmente o espaço concelhio de Paredes é composto por 18 freguesias (24 antes da última reorganização), sendo que, antes da sua criação, o território correspondente a todas elas era pertença do concelho de Aguiar de Sousa.
O concelho de Aguiar de Sousa tem raízes históricas longínquas e, antes de 1834, era composto por freguesias que, para além das que atualmente se encontram no município de Paredes, compõem os concelhos de Gondomar, Lousada, Paços de Ferreira e Valongo. Só este facto indica que a transição do concelho de Aguiar de Sousa para o de Paredes não se tratou de uma simples troca de nomenclatura com a mudança da cabeça do concelho. Existiu uma mudança administrativa com implicações na distribuição territorial. É esta passagem que pretendemos, ainda que sucintamente, abordar através do binóculo que são as atas camarárias que se acham em depósito no Arquivo Municipal de Paredes.
Em 1834 dá-se a extinção dos coutos e honras, formando estes espaços concelhios autónomos, ainda que, como veremos, insipientes no tempo (no que se reporta às que surgiram no espaço em estudo). Desta forma as honras de Baltar, Louredo e Sobrosa formaram espaços administrativos autónomos. É também criado o concelho de Cete, antigo couto do Mosteiro de S. Pedro. O surgimento e funcionamento deste último é muito mal estudado, no entanto o decreto que forma o de Paredes extingue o primeiro e integra-o no recém-formado concelho, pelo que, pelo menos no plano ideológico, ainda que não se conheça a sua tradução prática, este existiu.
O decreto de 6 de novembro de 1836, assinado pela rainha D. Maria II, vem criar o concelho de Paredes, extinguindo os congéneres outrora honras e couto suprarreferidos e anexando-os a este. Apesar de concebido em 1836 a tomada de posse do concelho de Paredes surge apenas no ano seguinte a 15 de fevereiro. Atentando nas atas, quer nas últimas referentes a Aguiar de Sousa, quer nas primeiras de Paredes, conseguimos ter um vislumbre de como se processou essa transformação. A edilidade de Aguiar de Sousa reunia nos “Passos do Foral” sitos no lugar das Paredes em Castelões de Cepeda. Certamente o nome de batismo do embrionário concelho advirá deste facto.
Se atentarmos nas atas de outubro de 1836 a março de 1837 podemos clarear alguns aspetos e perceber como a transição do concelho de Aguiar de Sousa para Paredes se processou. Nas reuniões de outubro de 1835 até janeiro do seguinte ano não existe referência à “Nova Câmara” como posteriormente lhe chamaram. Até aqui apenas se tratou da vida quotidiana da gestão do município. Nestas reuniões deu-se resposta a requerimentos e circulares régias, assim como se tratou de assuntos variados tais como a aferição dos pesos e medidas, o lançamento de taxas para suprir as despesas da Câmara e ainda se fez o apelo ao recrutamento militar da mocidade. A primeira referência digna de realce surge na sessão que decorreu no primeiro dia de fevereiro de 1837. Nesta sessão, para além de se oficiar às Juntas de Paróquia o lançamento da décima, acusou-se a receção do recenseamento para a “Nova Câmara” à Câmara de Baltar.
Dois dias depois, em sessão extraordinária, reuniram-se nos Paços do Concelho o presidente e demais vereadores para elaborarem os editais e se publicar a eleição da Câmara e Administrador do Concelho de Paredes nas diferentes freguesias. Também se determinou qual o número de vereadores que fosse suficiente para compor o executivo do novo município.
Os primeiros sinais de possível contestação apenas se apresentam na sessão de 8 de fevereiro. Existe apenas uma indicação referindo que nesta sessão foram discutidas as reclamações relativamente ao recenseamento dos votantes, não revelando, contudo, o seu teor, pelo que não podemos apontar diretamente que estas se relacionam com a mudança administrativa que se avizinhava.
É no dia 15 de fevereiro que, após juramento da constituição sobre os Sagrados Evangelhos, o presidente António José Dias (que havia sido o penúltimo presidente de câmara de Aguiar de Sousa), natural de Duas Igrejas, toma posse com os restantes vereadores e se dá a primeira sessão camarária do Concelho de Paredes. Neste juramento não participaram as câmaras das antigas honras, que, em grande parte, serão o motivo de discussão nas sessões camarárias seguintes.
De facto, não se vislumbra grande turbulência na transferência administrativa processada de Aguiar de Sousa para o de Paredes quando atentamos nas atas. Avançamos a hipótese de que a falta de contestação se deva ao facto desta medida vir apenas cristalizar o que na prática consuetudinária, uma vez que os Paços do Concelho se localizavam na zona que agora dava nome ao novo concelho. Aguiar de Sousa perderá a importância estratégica e a sua localização outrora de relevante importância, sobretudo no período da Reconquista, não seria relevante no atual cenário.
Em suma, e tendo por base o “Livro de reclamações e juramentos do concelho de Aguiar de Sousa” percebe-se que o protesto datado de 2 de janeiro de 1835 que inaugura o caderno nos permite concluir duas coisas: a primeira, que a grande contestação aparenta ser contra a formação de novas entidades administrativas por parte dos antigos territórios honrados e não contra a passagem da cabeça do concelho de Aguiar de Sousa para Paredes; a segunda, como argumento esgrimido pelos protestantes contra a primeira elação, que, a terem de se dissociar por “comodidade dos povos”, faria muito mais sentido serem as freguesias de Covelo, Medas, Melres, Sobreira e Aguiar pela sua distância aos Paços do Concelho e não dos referidos territórios. Esta constatação vem afirmar que apesar de lhe dar nome, Aguiar de Sousa localizava-se distante do centro de decisão política. Este localizava-se no lugar das Paredes, na “Casa do Foral”, que, segundo os protestantes, era de avultada grandeza e possuía todas as comodidades para aposentadorias e todos os atos, quer administrativos quer judiciais.
Texto de Vasco Santos