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Apontamentos da Nossa História | A primeira guerra mundial e os paredenses

Apontamentos da Nossa História | A primeira guerra mundial e os paredenses
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20 Abril 2023

A dia 28 de junho de 1914, na cidade de Sarajevo, um grupo de ativistas sérvios executa o plano que haviam arquitetado para assassinar o arquiduque e herdeiro do trono austro-húngaro Francisco Franco. Este ataque resultou na morte deste e de sua mulher. O premir do gatilho por parte de Gavrilo Princip iria despoletar uma quantidade de respostas e ativação de acordos diplomáticos que redundaram na primeira beligerância a nível mundial entre potências que ficou conhecida pela Grande Guerra ou Primeira Guerra Mundial.

Portugal não se alheará face a este conflito. A jovem república, que havia sido instaurada em 1910, em cumprimento das antigas ligações diplomáticas com os britânicos que incitaram a tal movimento, tomará a decisão de a 23 de fevereiro de 1916 proceder à apreensão dos navios alemães ancorados em portos portugueses. Em resposta, a 9 do mês seguinte, o estado alemão decreta guerra a Portugal o que veio a ditar a entrada oficial na guerra. Apesar desta entrada oficial ser apenas de 1916 já desde 1914 que eram feitas mobilizações de tropas para as colónias africanas de Angola e Moçambique para defender os interesses portugueses face às pretensões alemãs sobre os territórios. Para a Europa foi mobilizado o Corpo Expedicionário Português (CEP), cuja participação ficou em muito ligada à Batalha de La Lys, onde existiu um grande número de mortos e baixas entre a força lusa.

Não é o nosso foco discorrer sobre a participação portuguesa, nem na Primeira Guerra Mundial, nem na batalha de La Lys ou em outro conflito em que as tropas lusas tenham participado. Existem vários trabalhos desenvolvidos sobre esta temática, pelo que o que pretendemos explorar é de que modo foi vivido todo este período de “estado de guerra” no concelho de Paredes, em particular pelas elites executivas, utilizando para tal as atas das sessões de câmara nas datas em que vigorou o conflito. Convém, no que concerne a este ponto, referenciar a obra “Paredenses na Grande Guerra: 1914-1918”, no entanto procuramos trazer novos dados face a esta publicação e explorar outros de forma diferente.

O primeiro indício da chegada do Estado de Guerra no concelho de Paredes surge-nos nos livros de correspondência expedida. A 4 de maio de 1916 Manuel Viera Campos Júnior, Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Paredes, envia ao seu homologo de Lisboa a resposta a uma circular que “recebeu com o máximo entusiasmo tecendo os maiores elogios ao povo portuguez e ás nações aliadas, fêz votos para que sejam honradas as nossas tradições gloriosas do passado e punidas as ofensas da orgulhosa Alemanha violadora dos seus usos direitos: Saude e Fraternidade”. Este ofício, de certa forma, é revelador da posição do executivo paredense face à declaração de guerra por parte dos alemães denotando uma exacerbação do espírito nacionalista face ao opressor alemão.

Em Portugal, após a decisão do envio de efetivos militares para a frente europeia, ocorreu um movimento de mobilização de tropas para a criação do CEP, sendo, como todos os territórios nacionais, Paredes abrangido por esse medida. Isto fez com que se procedesse ao alistamento e posterior integração de paredenses neste corpo militar. Pela obra já citada, que aborda os paredenses envolvidos na Grande Guerra, sabemos que, pelo menos, 164 nascidos ou moradores (à data do alistamento) em Paredes estiveram diretamente envolvidos. Grande parte destes homens, pela proximidade geográfica deste quartel, foram mobilizados através do Regimento de Infantaria 32, sediado em Penafiel.

Atentando na documentação existente no Arquivo Municipal de Paredes, entre atas camarárias, registos de correspondência e livros de recenseamento militar para a época a abordar (1916-1918) podemos aproximar um pouco a realidade vivida no concelho e apontar algumas informações pertinentes. Nas atas das sessões de câmara o assunto guerra e recrutamento militar, quando em comparação com outros, tem uma pequena expressão. Importa referir que durante período em vigora a guerra coincidiu com um período de carência de alimentos, sobretudo cereais, ao qual se juntou uma crise epidémica de tifo e se aliou a constante instabilidade política visível, por exemplo, nos movimentos de Sidónio Pais, na instauração da Monarquia do Norte ou na posterior restituição da República, ainda que alguns destes acontecimentos sejam já pós assinatura do armistício que pós termino à Grande Guerra. A par destes problemas conjeturais com que se deparou a edilidade paredense, existiam as várias questões relacionadas com as obras públicas, desde a reparação de estradas e pontes às grandes obras, como o Matadouro Municipal, a recuperação dos edifícios públicos que se encontravam degradados e a necessidade de enquadrar o Celeiro Municipal e encontrar um local para instalar na vila uma delegação da Guarda Nacional Republicana. Para além destas questões conjeturais juntavam-se todas as questões de gestão quotidiana salientando-se a criação e manutenção das escolas, amplamente citadas nestas sessões.

Apesar de não ser um assunto tão central de debate nas sessões camarárias, denota-se que o mesmo teve a sua importância. Observando a correspondência e sobretudo os recenseamentos percebe-se claramente que existe um avolumar de documentação no que diz respeito aos últimos. A necessidade de recrutamento levou a uma reinspecção dos licenciados e dos reservistas, para além da inspeção aos mancebos que atingissem a idade legislada. Estes nomes eram lavrados nos cadernos de recenseamento que eram adquiridos pela Câmara Municipal em Penafiel a António Sousa Reis.

Relativamente à questão do recrutamento existem alguns dados que nos permitem realizar uma aproximação a este ato. Em sessão camarária de 16 de outubro de 1916 discutiu-se um ofício recebido por parte da Inspeção da Infantaria da 3ª Divisão (que englobava geograficamente Paredes) para que seja intimado o subdelegado de saúde do concelho para proceder à inspeção médica dos mancebos que integrariam a instrução militar primária. Esta inspeção, segundo o mesmo ofício, estava calendarizada para dia 15 de outubro desse ano. Neste mesmo ano são oferecidos pela Câmara Municipal de Paredes um prémio no valor de 18 escudos e 40 centavos que se traduziu num relógio de prata, 4 alfinetes e botões de punho de ouro a serem distribuídos pelos recrutas que mais se distinguirem na Instrução Militar Preparatória.

Sabemos os nomes dos envolvidos neste processo de recenseamento e inspeção, visto serem aprovados os pagamentos de serviços aos mesmos. O sargento Albano Barreiros de Oliveira do Regimento de Infantaria 32 recebeu 10 escudos de gratificação pelos serviços como amanuense da Junta de Revisão do Recrutamento como remissão de aboletamento. Foram também pagos 10 escudos a Manuel Cotrim da Cruz pelos mesmos serviços do anterior, a José Moreira da Cruz Ruão 32 escudos por gratificações pela elaboração dos recenseamentos dos jurados, eleitorais e militares, 50 escudos a Adalberto Ferreira de Sousa Pereira e Herculano da Cunha Leal na organização dos recenseamentos militares e eleitorais como amanuenses e, ainda, 10 escudos a Faustino de Bessa pelos serviços extraordinários relacionados com recenseamento militar.

Para o ano de 1917 foram propostos a nomeação pelo presidente, e votados por unanimidade pelos restantes, para integrarem a Comissão de Recenseamento Militar os seguintes indivíduos: Serafim Augusto da Silva Tavares, Belmiro Augusto de Oliveira, Vitorino de Sousa Moreira e João Ferreira da Costa. Para seus substitutos foram indicados Francisco Rodrigues de Oliveira e António de Barros Tadeu.

De facto, existem alguns indicadores que parecem apontar uma inversão relativa ao ano de 1917 e um esmorecer no “esforço de guerra”. As razões para tal facto não podemos apontar com total exatidão visto não existir uma clara menção sobre estas nas fontes. Neste ano a Câmara de Paredes foi questionada pelo Inspetor de Infantaria da 3ª divisão do Exército à cerca da possibilidade de contribuir com um prémio para as provas finais da instrução militar preparatória, como já havia feito no ano anterior, sendo também convidado para integrar o júri das provas o presidente da Comissão Executiva. A resposta foi a que, face à não existência de verba no orçamento, se dispensaria um escudo e 50 centavos para o prémio, sendo comprado um alfinete de ouro com essa quantia. Este valor andava longe dos mais de 18 escudos do ano de 1916.

Outro potencial foco de luz face à posição do município em relação à guerra poderá ser encontrado na resposta a uma circular enviada pela Câmara Municipal de Alenquer que Paredes subscreveu. Esta Câmara pediu às suas congéneres que fizessem um apelo junto do Governo para que se lavrasse um decreto que estipulasse que os reincidentes e, em especial, os vadios que contassem mais de três prisões, fossem utilizados nos serviços do CEP. A resposta a envida pela secretaria da Guerra ao município mostra a posição do Ministro que é perentório ao referir que “no CEP estão e devem estar só portugueses dignos de representar no estrangeiro a sua pátria e derramar por ela o seu sangue. Não lhes quero fazer a injuria de os misturar com criminosos ou desqualificados.” Por esta postura entendesse claramente que existia uma clara ideia das consequências graves da guerra nos seus intervenientes e da sua conotação negativa, sendo encarada como castigo para os prevaricadores e já longe do tom entusiasta da resposta enviada em maio de 1916 à Câmara da capital do pais.

A inspeção dos mancebos afigurava-se como um ato importante, quer para o Estado que necessitava de dar resposta à mobilização de tropas, quer para o futuro combatente que integraria a Instrução Militar. Em Paredes no ano de 1916 a inspeção foi feita no quartel dos bombeiros situado na Avenida da República (atual loja Desgaste), no entanto, no ano seguinte foi pedido pelo chefe do distrito do recrutamento nº32 de Penafiel a cedência da sala onde decorrem as sessões camarárias para que se realizasse aí a inspeção que foi iniciada no dia 20 de outubro.

Excetuando os já apontado as únicas menções concernentes com o estado guerra resumem-se ao pagamento da subvenção, na ordem dos 15% do salário, que foi pedida pelo subdelegado de saúde, o médico municipal do concelho, o chefe da secretaria amanuense e pelo tesoureiro.

Facto é que o Concelho de Paredes e os paredenses interagiram diretamente no conflito. Ao número de paredenses (conhecido) que foram mobilizados para as frentes de guerra somam-se muitos mais que foram alistados e cumpriram serviço militar. Esta mobilização fez-se em todas as esferas e classes sociais. Sabemos que o professor da escola da Vila de Paredes José António Gaspar Pereira pediu escusa e abandonou as suas funções pedagógicas por ter de recolher ao quartel de Infantaria 32 para prestar serviço. Também, em 1918, o Administrador do Concelho de Paredes entrega à presidência da Comissão Executiva a regência da Administração por ter sido chamado em serviço militar a Lisboa, não especificando o local de destino ou que atribuições foi desempenhar.

Outro exemplo foi o de Américo Luís de Vasconcelos. Foi mobilizado como alferes médico miliciano para Moçambique na zona de Lumbo e Napula onde exerceu a função de chefe dos serviços de saúde daquelas localidades. De referir que Américo Luís de Vasconcelos em 2 de janeiro de 1914 havia iniciado o seu mandato como Presidente da Câmara de Paredes, que durou até 1915, no entanto foi também um dos mobilizados. Sobre este mais poderia ser discorrido uma vez que parte do seu espólio foi doado pelos seus descentes ao Arquivo Municipal, onde se acha em depósito.

Em sessão camarária datada de 15 de novembro de 1918, após os 15 minutos de silêncio por um voto de pesar pela morte de Adriano Antero Pinto de Resende, é proposto pelo presidente e aceite por unanimidade um voto de saudação ao “Excelentíssimo Senhor Presidente da Républica e ao povo português pelas condições em que foi assinado o armistício”. Findava-se assim a Grande Guerra. O seu saldo pautou-se pela ceifa da vida de pelo menos 20 paredenses, para além de todas as outras consequências económicas, sociais, políticas e culturais dela advindas.

Num ano em que se passam 105 da assinatura do armistício e no mês em que travou a batalha mais emblemática do CEP, La Lys, o Arquivo Municipal de Paredes levou a cabo a montagem de uma exposição alusiva à Grande Guerra e à participação paredense. Esta encontra-se no átrio da Câmara Municipal de Paredes e integra espólio do município, assim como do Museu Militar do Porto e de fundos privados.

Vasco Santos

Técnico Superior de Arquivo- Arquivo Municipal de Paredes

Fontes e Bibliografia:

• Atas do Concelho de Paredes, Livro 27, em depósito no Arquivo Municipal de Paredes

• Atas do Concelho de Paredes, Livro 28, em depósito no Arquivo Municipal de Paredes

• Livro Recenseamento Militar 1916/17/18, em depósito no Arquivo Municipal de Paredes

• Caderno de Chamada, por armas e serviços dos licenciados e reservistas domiciliados, em depósito no Arquivo Municipal de Paredes, cota: 48.A.3

• Silva, Ivo Rafael. (2017). Paredenses na Grande Guerra:1914-1918.Paredes: Camara Municipal de Paredes/ CEI-ISCAP

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