Passar para o Conteúdo Principal

município

logo Paredes

videopromocional

siga-nos Facebook Instagram RSS feed

Apontamentos da Nossa História | José Leite de Vasconcelos: uma referência no concelho de Paredes

Apontamentos da Nossa História | José Leite de Vasconcelos: uma referência no concelho de Paredes
21 Dezembro 2023

Quando das comemorações nacionais do 150º aniversário do nascimento de José Leite de Vasconcelos, no ano de 2008, a autora deste texto escreveu umas breves palavras de forma que o Município de Paredes se associasse à efeméride. Porém, consideramos que nunca é de mais voltar a trazer a lume, o quão importante foram os seus contributos científicos para estudo e melhor entendimento do passado do nosso concelho, que esta personalidade nos legou.

José Leite de Vasconcelos, apesar de se ter licenciado em Medicina, foi uma personalidade com reconhecimento nacional pelo seu gosto e dedicação à Etnografia, Filologia e Arqueologia. A sua passagem pelo concelho de Paredes, ainda que breve, foi duplamente importante, primeiro porque poder-se-á considerar que o seu gosto e interesse pelas tradições populares terá iniciado por aqui e segundo, porque deu um contributo para o conhecimento e valorização dos usos e hábitos locais.

José Leite de Vasconcelos Cardoso Pereira de Melo nasceu a 7 de julho de 1858, em Ucanha, concelho de Tarouca. Aos dezassete anos frequentou o ensino secundário no Porto e formou-se em Medicina com distinção. Em 1901, volta a frequentar a Universidade e a cursar Letras dedicando a sua vida à Filologia, Arqueologia, mas principalmente à Etnografia.

Em 1878, ainda estudante do ensino secundário no Porto, veio passar as férias de Carnaval a casa do seu primo Adriano Leite Cardoso Pereira, Pároco na freguesia de Vila Cova de Carros. Os cinco dias que por lá esteve, foram suficientes para que o contacto e observação direta das gentes de Vila Cova de Carros o levasse a empreender a recolha e a publicar o seu primeiro trabalho Etnográfico - “O Presbitério de Vila Cova”, sendo o primeiro passo para a sua visibilidade pública como investigador (Pinto 2008). Publicou, inicialmente, nas revistas “O Académico” e na “Aurora do Cávado” e posteriormente, no primeiro volume de “Ensaios Etnográficos”.

Temos assim, no último quartel do século XIX, o registo de algumas “costumeiras” de Vila Cova de Carros (Vasconcelos 1911), tornando-se, hoje, uma fonte indispensável para o conhecimento e estudo do património imaterial. Perpetuou o conhecimento de práticas, crenças, usos e costumes através da observação e da recolha oral, a saber:

No Entrudo ou Carnaval, os “vilaconvenses” juntavam-se à porta da venda e assistiam a um desafio e descante, com “mordazes cantigas”, ao som da rebeca, da viola e dos ferrinhos e terminavam com a dança da chula. Dá conta de algumas cantigas populares que ouviu ou lhe transmitiram oralmente. (Vasconcelos 1911).

A crença nas feiticeiras fazia com que aquelas gentes não saíssem sozinhas a certas horas da noite. Acreditavam que numa família com sete filhos, um transformar-se-ia em lobisomem e correria o fado. Consideravam que as mouras encantadas representavam os espíritos das fontes, das montanhas e dos penedos.

Em Vila Cova de Carros, terra com muita água, envolvida por montes com muitos e grandes afloramentos graníticos, acreditavam na existência de um penedo encantado e que o eco era a voz de uma moura.

Associado às festividades de São João havia um costume para experimentar o amor de dois conversados (Vasconcelos 1911, p.71). As romarias eram importantes para se iniciarem os namoros.

No primeiro domingo seguido ao óbito, a família mandava ao pároco a obrada/ofertas e no final da missa mandavam rezar o responso pela alma do defunto, terminando a comer e a beber à porta da igreja, vinho e trigo. Na altura das primeiras colheitas ofertava-se ao pároco vinho, azeite e pão, que lhe chamavam Primícias.

José Leite de Vasconcelos refere que em Vila Cova de Carros era muito vulgar fazerem-se corridas de touros (Vasconcelos 1911, p. 88). Faz, ainda, uma breve referência à igreja que era pequena e com apenas três altares e enumera os abades que passaram por aquela paróquia de 1794 a 1878, num toral de 11 párocos. Como Filólogo analisou a etimologia de alguns nomes dos lugares que compõem a freguesia, com destaque para a própria designação de Vila Cova de Carros, incidindo, particularmente, no termo “vila” remetendo que a sua origem é anterior ao século XII e à sua relação de proximidade geográfica com a Serra de Vandoma, com vestígios de ocupação pré-romana.

Como verificamos, o seu trabalho e o seu gosto não ficaram, apenas, pelo registo da cultura imaterial, mas também pela referência à história, ao património arquitetónico e paisagístico. Demonstra conhecer a história do concelho de Paredes referindo-se, ainda que de forma breve, à existência do Castelo em Aguiar de Sousa; à Capela da Senhora do Salto junto ao rio Sousa, à lenda da Pia; à antiga vila e honra de Baltar, assim como, à vila e behetria de Louredo. Enaltece a viagem rápida que fez de comboio, desde Campanhã até à estação de Paredes.

Outras visitas terá feito ao concelho de Paredes, de âmbito arqueológico, nomeadamente à freguesia de Parada de Todeia, quando da descoberta da necrópole romana (Barreiro 1922/24, p.500). Refere-se, com conhecimento, à inscrição romana de evocação à deusa Navia, que terá aparecido “num monte perto de Vandoma e Baltar…” (Vasconcelos 1905). Colabora, ainda, com a leitura e interpretação da inscrição romana da ara de Santa Comba, freguesia da Sobreira. (Barreiro 1922/24).

Com um gosto especial pelo estudo etimológico, terá correspondido às dúvidas e solicitações que José do Barreiro terá colocado, durante a preparação da Monografia de Paredes (1922/24), para correção e interpretação quanto à origem de diferentes toponímias no concelho de Paredes (Barreiro 1922/24 e Silva 2008).

Efetivamente, os seus contributos para o conhecimento e estudo do passado histórico do concelho de Paredes foram em áreas diversificadas, como a Arqueologia, Epigrafia, História, Etimologia e Etnografia.

Como reconhecimento da sua importância como referência para o concelho de Paredes foi-lhe atribuída uma rua com seu nome.

José Leite de Vasconcelos terá, assim, iniciado por volta dos vinte anos e a partir de Vila Cova de Carros, a sua carreira de etnógrafo tendo sido considerado, como escreveu Monsenhor Moreira das Neves, que o conheceu em 1936 e com quem conversou diversas vezes, o “Patriarca da Etnografia Portuguesa” (Neves 1976 e 1978).

Dezembro de 2023

Maria Antónia Silva

 

 

Bibliografia

BARREIRO, J., (1922-1924) – Monografia de Paredes. Porto: Tipografia de Laura Couto & Pinto.

VASCONCELLOS, J. L. (1905) – Religiões da Lusitânia. Lisboa: Imprensa Nacional

VASCONCELLOS, J. L. (1911) – O Presbyterio de Vila Cova (1878-1879). Ensaios Ethnographicos. 2ª edição. Vol. X. Famalicão: Typographia Minerva. (Edição Colleção de “Silva Vieira”. Esposende)

NEVES, F. M. das (1976) – Almas descobertas com J. Leite de Vasconcelos na sua casa de Lisboa. A Ordem.

NEVES F. M. das (1978) – De como foi no concelho de Paredes que José Leite de Vasconcelos iniciou a sua maravilhosa carreira de etnógrafo. O Concelho de Paredes. Boletim Cultural nº 1. Câmara Municipal de Paredes.

PINTO, Manuel Serafim (2008) - José Leite de Vasconcelos. Primeira correspondência para os pais e uma carta ao seu tio António – transcrições, anotações e comentários. O Arqueólogo Português, Série IV, 26, p. 471-512

Fotografia: Wikipédia Photographia Guedes

Top