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Apontamentos da Nossa História | O lugar do Cruzeiro, antiga sede paroquial de Bitarães?

Apontamentos da Nossa História | O lugar do Cruzeiro, antiga sede paroquial de Bitarães?
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18 Julho 2024

No passado dia 3 de julho, a liturgia católica assinalou a Festa de São Tomé, Apóstolo, orago da paróquia de Bitarães (comemorado localmente com solenidade acrescida no fim-de-semana seguinte, quando o seu dia não coincide com um domingo). A documentação histórica conhecida remete para 1141 a existência de uma «ecclesia santi thome de bitaranes» (BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO 1924, 165), o que indica que já desde, pelo menos, esse ano que se encontra edificada uma igreja dedicada a São Tomé num local com o nome de «Bitarães» (ou «Bitaranes», numa forma latinizada). Porém, será que a sede paroquial estava à data na sua implantação hodierna?                  

A tradição que subsiste entre os bitaranenses mais idosos responde negativamente a esta questão. Com efeito, a antiga matriz de Bitarães é situada no terreno ocupado hoje pelas instalações da empresa AMR – Agostinho Martins Ribeiro (na Avenida de São Tomé (EN 106-2), a sensivelmente 250 metros a sudoeste da atual), no lugar do Cruzeiro. Seria, aliás, neste lugar que estaria levantado o cruzeiro paroquial (que lhe deu origem toponimicamente), mais tarde – em data que não apurámos, talvez respeitante à abertura da estrada de Paredes a Lousada em 1870, mas seguramente anterior a 1943 – trasladado para o adro da igreja. Infelizmente, as fontes consultadas não nos fornecem mais dados para o preenchimento destas lacunas cronológicas; a designação em Bitarães de um lugar «do Cruzeiro» é registada somente em 1922, sendo provavelmente este um dos lugares referidos como «habitações isoladas» (BARREIRO 1922, 293) na Monografia de Paredes (nos censos realizados em 1911, ainda não é enumerado entre os lugares da freguesia (BARREIRO 1922, 299)). Poderá, então, esta tradição local acerca da anterior igreja de Bitarães possuir alguma verosimilhança histórica?                               

Para dissiparmos esta dúvida, é necessário recuarmos até 1690, ano em que foram publicadas por ordem de D. João de Sousa, bispo do Porto, as Constituições Sinodais do Bispado do Porto, aprovadas pelo sínodo diocesano reunido três anos antes. Abrindo um exemplar desta fonte, vejamos o que diz a propósito da construção e reparação das igrejas paroquiais: «E no tal caso, em que se ouver de profanar o lugar, & cemeterio da Igreja, que se extingue, se transferiràõ tambem os ossos dos defuntos, [] que estiverem enterrados nella pera a dita Igreja, pera onde for transferida, ou pera outro lugar Sagrado, & se porà hũa cruz [] levantada no lugar, em que de antes estava a capella mor, ou altar principal da Igreja extincta» (SOUSA 1690, 363).                                                                      

Cabe notar que, aquando da construção da igreja atual, vigoravam para a diocese do Porto estas constituições sinodais. Dado o desconhecimento do paradeiro dos livros de visitações pastorais de Bitarães, temos de socorrer-nos de outras fontes para lograrmos indicar algumas datas para a empreitada; assim, a inscrição patente no lintel da porta principal da atual igreja matriz exibe o ano de 1751, enquanto um registo paroquial de 20 de dezembro de 1752 e assinado pelo Dr. Simão de Crasto Passos dá conta do falecimento na residência paroquial de «Bernardo José, moço solteiro, official de pedreiro que andava nas obras desta igreja» (ARQUIVO DISTRITAL DO PORTO 1752, 2v.). A sua fachada principal já estaria terminada em outubro de 1755, pois dos efeitos do terramoto ocorrido a 1 de novembro seguinte temos a notícia, redigida pelo mesmo abade, da quebra pela base de «huma nova cruz de bastante grandeza que estava no frontespicio desta mesma igreja» (ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO 1758, 883-884).     

Acreditando na tradição popular, concluímos, desta forma, que a transferência da igreja paroquial de Bitarães do futuro lugar do Cruzeiro para o presente espaço terá ocorrido, pelo menos, em 1751-1752, ficando um cruzeiro no local da antiga, em cumprimento do estipulado pelas Constituições Sinodais (e à semelhança, de resto, do que ainda se verifica para o desaparecido mosteiro de Santa Eulália de Vandoma), até à sua deslocação presumivelmente em 1870 para o adro existente. Em data anterior a 1887, foram transportados para as proximidades da igreja setecentista os únicos vestígios talvez sobreviventes da predecessora: os dois sepulcros antropomórficos e anepígrafos, hoje sem cobertura e adjacentes às fachadas laterais da nave do templo paroquial, tendo-os visto José Augusto Vieira «junto do muro do adro velho» (VIEIRA 1887, 571). Mudados os túmulos e o cruzeiro paroquial, a memória da antiga igreja paroquial de Bitarães foi preservada pelo povo, alicerçada na toponímia. Estaria, porventura, no lugar do Cruzeiro o «terreno de pedrinhas» que em baixo-latim se dizia «Pittaranes» (PORTO EDITORA 2003) – do qual procederam os topónimos intermédios «Pitaraes» (PORTVGALIÆ MONVMENTA HISTORICA 1897, 567) e «bitaranes» (BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO 1924, 165) – e que corresponderia em 1258 ao «loco qui dicitur Bitaraes» (PORTVGALIÆ MONVMENTA HISTORICA 1897, 568)?                                         

Na ausência de outras fontes históricas que nos permitam validar esta hipótese (cuja plausibilidade é admissível), resta-nos, por enquanto, fazer como São Tomé: ver para crer.

 

Julho de 2024

João Luís Durães

 

Fontes impressas

BARREIRO, José do (1922) – Monografia de Paredes. Porto: Tipografía Mendônça (a vapôr) de Laura Couto & Pinto.

BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO (1924) – Censual do Cabido da Sé do Porto: códice membranáceo existente na Biblioteca do Porto. Porto: Imprensa Portuguesa.

PORTVGALIÆ MONVMENTA HISTORICA: a sæcvlo octavo post Christvm vsqve ad qvintvmdecimvm. Olisipone: Academiae Scientiarvm Olisiponensis, 1897. [Consult. 12 jul. 2024]. Inquisitiones – vol. I, fascs. IV & V. Disponível em WWW: https://purl.pt/12270/4/.

SOUSA, João de – Constituições Synodaes do Bispado do Porto. Porto: Joseph Ferreyra, 1690. [Consult. 13 jul. 2024]. Disponível em WWW: https://books.google.pt/books?id=VERpAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-PT#v=onepage&q&f=false.

VIEIRA, José Augusto (1887) – O Minho Pittoresco. Lisboa: Livraria de António Maria Pereira. t. II.

 

Fontes manuscritas

Arquivo da Diocese do Porto, Diocese do Porto – Paróquia de São Tomé de Bitarães – Igrejas e capelas, 1954.

Arquivo Distrital do Porto, Paróquia de Bitarães, Registos de óbitos, 1752, liv. O, n.º 1, fls. 2v.-3. [Consult. 12 jul. 2024]. Disponível em WWW: https://pesquisa.adporto.arquivos.pt/viewer?id=486841.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Memórias Paroquiais, Dicionário geográfico de Portugal, Tomo 7, B 2, 1758, n.º 21, pp. 869-892. [Consult. 12 jul. 2024]. Disponível em WWW: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4239270.

 

Outros recursos eletrónicos

PORTO EDITORA – Bitarães. In PORTO EDITORA – Dicionário infopédia de Toponímia. Porto: Porto Editora, cop. 2003. [Consult. 13 jul. 2024]. Disponível em WWW: https://www.infopedia.pt/dicionarios/toponimia/Bitar%C3%A3es.

 

Agradecimentos

Eng. Cristiano Marques da Costa

Prof. Zeferino Moreira da Silva

Zeferino Moreira Teixeira

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