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Apontamentos da Nossa História | Arqueologia do Sagrado: O Carro Votivo de Vilela – Paredes

Apontamentos da Nossa História | Arqueologia do Sagrado: O Carro Votivo de Vilela – Paredes
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25 Agosto 2025

O Carro Votivo de Vilela, encontrado em 1920 na freguesia de Vilela, concelho de Paredes, constitui uma das peças mais singulares da arqueologia portuguesa. Datado entre os séculos IV e III a.C., este objeto de bronze insere-se no universo de ritos e simbolismo das comunidades da Idade do Bronze Final e do início da Idade do Ferro. Atualmente, encontra-se exposto no Museu da Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, tendo dado entrada em 1938, com Mário Cardozo na Direção, onde é preservado como testemunho único da religiosidade das populações proto-históricas do Noroeste Peninsular (Cardozo 1946).

O achado ocorreu, quando um lavrador arrancou um pinheiro em terreno inculto, chamado Bouça do Custódio, no lugar do Monte da Costa Figueira, não havendo referência a qualquer outro tipo de espólio (Cardozo 1946). Esteve na posse de Eduardo Freitas, médico e historiador de Vila Cova da Lixa, concelho de Felgueiras que, logo percebeu da importância extraordinária do objeto. Assim, na primeira oportunidade deu-o a conhecer, através de uma comunicação apresentada no Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, realizado na cidade do Porto, em 1921, dando lugar a uma publicação mais extensa, intitulada “Estudo sobre dois bronzes arqueológicos”, dado à estampa em 1923. A alavanca estava dada para investigadores nacionais e estrangeiros se dedicarem ao seu estudo, cujas leituras interpretativas e de analogias continuam a ser produzidas até aos dias de hoje.

Este achado, para além de ser rico na representação figurativa é também interessante quanto ao seu significado e compreensão.

Contexto: Aparentemente terá sido enterrado num lugar sem qualquer vestígio arqueológico, sem que no local tenham sido identificados vestígios habitacionais ou funerários. Atualmente, a Bouça do Custódio encontra-se descaracterizada, pois morfologicamente tratava-se de um promontório tendencialmente cónico com 335m de altitude, sobressaindo-se relativamente ao vale fértil, com várias nascentes e consequentemente linhas de água (Carta Militar nº 111, 1:25.000, 1976). A realização de uma visita ao local, em 2010, concretamente ao espaço que ainda resta como bouça, não se observou nada sugestivo ou indicador da existência de vestígios arqueológicos, assim como, a cerca de um quilómetro em linha reta, assim como, também, para sul, no lugar com a designação de “castro”. Esta situação reforça a ideia de se tratar de um eventual depósito ou esconderijo intencional. Tal prática de ocultação era frequente em objetos de valor material e simbólico, com grande significado para uns e sem significado para outros, acrescendo o facto de as comunidades detentoras recearem a sua apropriação por outros grupos com a intensão de refundição.

Caracterização: O carro define-se por um conjunto figurativo, com 385 mm de comprimento, composto por uma barra longitudinal com quatro rodas, vazadas, duas juntas de bois, puxando em sentido oposto, e catorze figuras humanas interpretadas como sendo quatro condutores, colocados sobre os dois eixos das rodas, dois sacerdotes ladeando um animal, que será a vítima do sacrifício, e oito acompanhantes, quatro deles guerreiros e quatro mulheres, três das quais transportando uma carga no dorso (Silva 1986).

Associado ao carro apareceu, também, um espeto de bronze, com 875mm de comprimento máximo (lâmina e punho). Caracteriza-se por uma lâmina com punho e com as guardas firmemente unidos por um bolo esferoide maciço com protuberâncias, envolvido por um anel. O punho dobra-se na parte superior em arco. (Silva 1986). É interpretado como utensílio para rituais de comensalidade. Estudos indicam que espetos semelhantes eram usados em banquetes comunitários e sacrificiais. A sua presença associada ao carro votivo reforça a ideia de uma cerimónia completa que unia procissão, sacrifício e partilha ritual de alimentos.

Este conjunto, e em particular o carro votivo, tem suscitado múltiplas interpretações ao longo do tempo, mantendo sempre a ideia de representação do simbólico, do ritual e da espiritualidade, associando a tradições de influência centro-europeias ligadas ao universo indo-europeu, bem como a representação de práticas celtas no âmbito das influências atlânticas do Noroeste Peninsular (Silva 1986).

As diferentes leituras interpretativas revelam a complexidade da peça e a sua capacidade de integrar simultaneamente aspetos como: o quotidiano com a representação do carro de transporte, com rodas de arcos circulares, raiados na horizontal, interligadas pelos eixos, puxado por bois com jugo no dorso, elementos que, claramente, retratam o dia a dia, das comunidades proto-históricas. Trata-se de uma representação típica que ocorreu em toda a Europa da Idade do Bronze até à romanização e usado nos meios rurais, com particular incidência no Entre-Douro-e-Minho até meados do século XX (Cardozo 1946, Almeida 2013); artístico pois reflete um conhecimento pormenorizado de como representar a figura humana e acessórios, como elementos de vestuário e armas, a figura animal e o carro propriamente dito, com o objetivo presente de representar elementos quotidianos, mas profundamente simbólicos num quadro celebrativo e religiosos; económico, pela peça de bronze que denuncia um conhecimento e domínio da prática metalúrgica na produção de peças mais finas e não funcionais como os machados, armas ou outras. Não obstante, há a possibilidade de ser uma produção local, proveniente de algum centro metalúrgico próximo, uma vez que no território geográfico envolvente foram identificados jazigos de estanho e cobre; social, através da figura humana, que tem sido identificada pela presença da figura feminina, por guerreiros e sacerdotes, ou seja, uma representação hierarquizada e tripartida social e funcionalmente; religioso, assente em todos os elementos acima mencionados, que formam um conjunto de grande simbolismo, celebrativo e sacrificial.

O Carro Votivo de Vilela insere-se, assim, numa tradição mais ampla de carros rituais, conhecidos na Europa Central durante a Idade do Bronze e idade do Ferro bem como na Península Ibérica. Assim, neste quadro, deve ser entendido como expressão material da religiosidade das comunidades locais, revelando contactos culturais com tradições atlânticas e centro-europeias.

Agosto 2025

Maria antónia Silva

Bibliografia

Cardozo, Mário (1946) - Carrito votivo de bronze del Museo de Guimarães (Portugal), Archivo Español de Arqueología 19 (62), p. 1-28.

SILVA, Armando Coelho F. (1986) – A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal. Paços de Ferreira: Câmara Municipal; Museu Arqueológico da Citânia de Sanfins

https://www.cm-paredes.pt/pages/842

https://www.csarmento.uminho.pt/site/s/sms/item/76222#lg=1&slide=0

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