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Apontamentos da Nossa História | Águas de Regadio – lugar da Gralheira, Baltar - Direitos de água

Apontamentos da Nossa História | Águas de Regadio – lugar da Gralheira, Baltar - Direitos de água
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moinho
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registo_de_1860
16 Outubro 2025

Os aforamentos, as servidões e as águas para rega são direitos antigos que advêm de práticas ancestrais e que ainda se encontram em uso.

Em Baltar, no lugar da Gralheira, o direito da água de regadio, para vários consortes, ainda existe, e com mais de 250 anos de prática, como é o caso que se passa a descrever.

Como se sabe, Baltar tem a tradição agrícola onde predominam áreas de RAN (Reserva Agrícola Nacional), e assinaladas em regime de PDM (Plano Diretor Municipal DO Concelho de Paredes).

Já em 8 de janeiro de 1758, o Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, fazia remeter, através dos principais prelados, e para todos os párocos do reino, os interrogatórios sobre as paróquias e povoações pedindo as suas descrições geográficas, demográficas, históricas, económicas e administrativas, para além da questão dos estragos provocados pelo terramoto de 1 de novembro de 1755.

Uma das questões levantadas nesse questionário foi sobre a existência de linhas de água, na freguesia de Baltar, e que de acordo com o descrito nessas Memórias Paroquiais de Baltar, redigido pelo Abade Agostinho José Ferreira, teve as seguintes respostas sobre o tema em questão:

“(…) Como se chama assim o Rio, como o sitio onde nasce?

Respondo: não há Rio, mas sim hum Regato, que nasce na freguesia de Vandoma em hua lagôa, o qual rega a mayor parte das terras desta freguesia por repartições que tem. E nesta freguesia hâ quinze moinhos que moem com agua do dito regato no tempo do Inverno, e de Veram âs prezas dao: há também hua ponte de pedra, chamada da pedra no lugar da ponte, por toda a margem deste regato se cultiva de pam, com suas arvores e vides de Vinho Verde.”

Na monografia de Paredes, do ano de 1922, do Dr. José do Barreiro, na sua pág. 258, menciona as águas que lá passam, descrevendo:

“(…) Nasce em Baltar, no lugar do Sargeal, um ribeiro, a que chamam ribeiro da Igreja, que atravessa a estrada nacional n.º 33 no lugar da Ponte de Pedra, passa a uns cem metros da Igreja, e vae desaguar no Sousa, ao pé da estação de Cete.

Outros dizem que esse ribeiro nasce nos montes da freguesia de Vila Cova de Carros e atravessa a freguesia de Mouriz. Assim se lê em Pinho Leal, vlo. XI, pág. 706. São dois erros. Nem nasce em Vila Cova de Carros, nem atravessa Mouriz.

Há outro ribeiro, de que se fala adeante, numa nota, e que nasce no lugar de Moinhos, perto do lugar da Gralheira e vem juntar-se ao ribeiro da Igreja, pouco abaixo do lugar do Sargeal.

Há finalmente ainda um ribeirito que nasce no lugar do Sarzedo ou Ferido de Água passa pelos lugares de Ancede, Ribeiro e Ramos e junta-se ao ribeiro da Igreja, a uns 200 metros de distância desta. É todo gasto em regas de verão.

Nesse tempo, a água de ambos estes ribeiros é toda, ou quasi toda, gasta nas régas dos campos de milho. (…)”

Na mesma obra, na pág. 266, “(…) Acrescenta qua não havia rio, mas sim um regato que nasce na freguesia de Vandoma, em uma lagoa, e rega a maior parte das terras de Baltar, por meio de repartição que tem entre os lavradores, e nesta freguesia há quinze moinhos que o rio move de inverno; e de verão as prezadas (2);

(2) – Informa-se que esse regato nasce em Vandoma, no lugar de Moinhos, perto do lugar da Gralheira (de Baltar), que é represado em prezas e se gasta todo em regas; que não há lagoa, mas sim um charco ou paúl no lugar da nascente.”

Infelizmente não se descobriu o documento original, se é que existiu, sobre os direitos/deveres destas águas que vêm do lugar de Moinhos, em Vandoma e abastece o vale da Gralheira.

Contudo existem documentos pessoais que comprovam essa existência que mostram a sua prática (quase inexistente) na atualidade devido à falta humana no exercício da agricultura local.

De tudo o que já foi descrito, em parte é verdadeiro, com alguns erros sobre as suas origens, onde menciona a existência de presas naturais, no alto da serra do muro, no lugar de Moinhos, em Vandoma, e conhecidas como “presas de Baltar”.

Segundo dizem, e na voz de D. Emilia Ferreira, de 84 anos, residente na casa adjacente à presa mais a montante, refere que existem 3 reservas de água direcionadas para Baltar, mais refere existirem outras represas para as terras de Vandoma para outros locais.

Esta 3 presas, são designadas de “presa grande, média e pequena”, distanciadas em cerca de dezenas de metros e que se ligam entre si, através de desníveis de cota que represam a água durante o período mais estival, no verão. A data que define o início da gestão organizacional por parte destes consortes é o dia 24 de junho (dia de S. João) e termina no dia 29 de setembro (dia de S. Miguel), data esta conhecida por todos os agricultores como ano agrícola.

No restante período, que envolve o outono, o inverno e primavera, e dada a existência de mais água nesses períodos, ela flui ao longo da linha de água pelos canais existentes e por fontaneiros, direcionados para os moinhos aí existentes (atualmente abandonados), conforme referido na monografia. No intervalo de tempo que medeia 30 de setembro a 23 de junho, e caso haja necessidade de rega, a água fica destinada a apenas 8 “casas” ou quintas mais marcantes, provavelmente pela sua área territorial mais representativa da necessidade de rega naquele vale da Gralheira.

No período de verão, as datas referidas atrás, passam a servir todas as terras desse vale onde incluem também as famílias dos lugares do Sargeal e do Carvalho, cujo vale da Gralheira abrange parcelas desses proprietários, assim como de outras parcelas envolventes e de leiras até ao lugar do Sabugueiro e que aí as águas se ligarão por gravidade à linha do ribeiro principal que passa pela Igreja, conforme documentos supracitados.

Esta água de regadio é escoada praticamente em toda a sua totalidade pelos diversos consortes (8 casais) no inverno e acrescidas de outras parcelas mais pequenas no verão, que também usufruem desse direito.

Essas quintas, são conhecidas pelos nomes de família ou pelo local, etc…, e que antigamente as distinguiam e eram conhecidas na terra e ainda do conhecimento geral pela população local, que são os casos da Quinta do Monte, a casa do Sargeal, a do Carvalho, da casa da Pereira, da Quinta de Baixo, da Carriça, do Portelo e a do Bento Portela, e das demais parcelas mais pequenas, com designações como as Mouteiras, do Sabugueiro, e de outras em que se inseriam na grande área de regadio que envolviam o vale da Gralheira.

Os documentos apresentados foram disponibilizados graciosamente por particulares, e que demonstram a sua prática desde pelo menos o ano de 1860, conforme se constata num dos manuscritos registado num livro de “merceeiro” pelo Sr. José Vicente da Silva, proprietário à época de duas dessas quintas.

Esses documentos descrevem a distribuição, diária, que cada parcela agrícola tem direito à sua água.

No mesmo livro, aparece registado nova listagem com atualizações, provavelmente proveniente de alterações, mudanças de proprietários, junções de parcelas ou trocas de parcelas que poderiam ter promovido entre si.

Nesses registos referem também que as mudanças de águas teriam de ser alteradas à meia-noite e ao meio-dia por parte do interessado a que cada consorte a que correspondia a água nesse período.

Para além dos direitos os proprietários das 8 quintas também teriam as suas obrigações na manutenção e limpeza dos regueiros ou fontaneiros que direcionavam essas águas e desde a sua nascente (das 3 represas) até ao último canal que os servia.

Essa manutenção e limpeza eram feitas em comum e cada quinta obrigava-se a representar com um número proporcional de homens para esses trabalhos e correspondia sempre em dias anteriores ao 24 de junho, data de início dos direitos à água na época de verão, conforme se depreende pelas listagens desses documentos.

Outubro de 2025

Manuel Cunha

 

Informação retirada de:

- Memórias Paroquiais de Baltar;

- Monografia de Paredes;

- livro de “merceeiro” de José Vicente da Silva;

- cópias cedidas por António de Sousa;

Fotos:

- imagem principal: vale da Gralheira com a implantação das 3 represas, percurso da água e várias propriedades principais;

- planta de localização com implantação das 3 represas, no lugar do Moinhos, Vandoma;

- imagem da represa “média”;

- imagem do livro de “merceeiro” de José Vicente da Silva;

- imagem da listagem, retirada de livro antigo de 1860;

- imagem de moinho (abandonado);

- Imagem de fontaneiro ou canal de água;

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